Ney Matogrosso e Nação Zumbi: falhas e acertos
Pois ontem à noite, finalmente, vi o show. E revi agora há pouco, para confirmar algumas impressões. Acho que é importante separar duas coisas: o projeto em si, que é interessantíssimo e musicalmente bem elaborado, e as falhas que inegavelmente ocorreram, maculando o evento. Havia uma enorme expectativa pelo fato de que o repertório dos Secos e Molhados seria revisitado. No fim, entremearam-se músicas do ex-grupo de Ney e do próprio Nação Zumbi, com resultados variados.
Foi uma boa sacada colocar um vídeo com os olhos de Ney ao fundo do palco no início do show. Não é exatamente um recurso original - vide a apresentação de Alice Cooper - mas funciona bem. O cantor entrou com uma roupa preta discreta para os padrões neymatogrossenses, mas com ótima presença de palco, como sempre. Está em forma e com bom astral aos 76 anos.
O problema começou já na primeira nota cantada de "Mulher Barriguda". Pela careta que Ney deixou escapar, podia haver alguma falha no retorno. O fato é que ele já iniciou desafinando, mas por pouquíssimo tempo. Logo o grupo engrenou e parecia que esse deslize ficaria como um incidente isolado da noite.
Com exceção de "Rosa de Hiroshima", que Ney cantou sozinho, todas as músicas dos Secos e Molhados foram interpretadas em uníssino por Ney e Jorge du Peixe. Houve quem atribuísse eventuais falhas à disparidade das vozes. Não me pareceu ser essa a questão. A justaposição de timbres "não miscíveis" já foi usada antes no universo da música, criando um efeito exótico. Não vai muito longe: em 1975, Ney e o cearense Fagner lançaram duas músicas em dueto, num compacto. E deu certo.
Não resta dúvida que o grande desastre da noite foi justamente o primeiro sucesso dos Secos e Molhados, a emblemática "Sangue Latino". Jorge du Peixe começou a cantar um compasso antes do esperado, mas isso não chegaria a comprometer. Só que, quando Ney juntou sua voz, novamente uma careta sinalizou que alguma coisa estava errada. E aí o que se seguiu foi um fiasco digno de amador de karaokê que não percebe que está fora do tom. Em raros versos, Ney encontrou a melodia, mas a perdeu em seguida. Com certeza houve problema no retorno, pois não foi uma situação normal. Falhas acontecem, mas é muito azar quando ocorrem logo numa vitrine como o Rock in Rio, com transmissão para todo o país e o momento eternizado em vídeo para ser revisto na Internet.
Mesmo assim, o saldo foi positivo. Dos Secos e Molhados, ainda se ouviu "Fala", de João Ricardo e Luhli. Nas músicas do Nação Zumbi, como "Cicatriz", "Um Sonho", "Refazenda" e "Maracatu Atômico", Ney limitou-se a fazer backing vocal. Esse show merece ser mantido e aprimorado, com mais ensaios e entrosamento para, aí sim, chegar ao ideal pretendido. O importante é não desperdiçar o que se criou em razão de um incidente. É exatamente pelas falhas que podem acontecer no palco que muitos discos ao vivo são consertados em estúdio. E o público nem fica sabendo disso.
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