sábado, setembro 09, 2017

Música alegre brasileira

Os primeiros discos de Baby Consuelo e das Frenéticas surgiram quase ao mesmo tempo, no final dos anos 70. Não eram exatamente do mesmo estilo, mas tinham em comum uma proposta alegre e festiva de música brasileira, com muito ritmo, descontração e pernas de fora. Fizeram parte da primeira leva de contratações da multinacional WEA, recém chegada ao Brasil. Uma das diferenças é que Baby era uma integrante dos Novos Baianos se lançando em carreira-solo, enquanto as Frenéticas eram garçonetes do Frenetic Dancing Days que acabaram se transformando em cantoras. Pois esses dois nomes de referência do som Brasil têm seus álbuns iniciais relançados em caixinhas da Warner Music, com produção executiva de Rodrigo Faour. Uma se chama "Baby Consuelo do Brasil" e a outra, "As Frenéticas – 30 anos de Dancin' Days".
Como solista, Baby Consuelo assumiu o papel de cantora legitimamente brasileira, cantando sambas, frevos e chorinhos. Entre composições de seu então marido Pepeu Gomes, o letrista Galvão, Moraes Moreira, dela própria e de músicos da banda de apoio, os discos incluíam clássicos como "Aquarela do Brasil" de Ary Barroso, "Apanhei-te Cavaquinho" de Ernesto Nazareth e "Brasileirinho" de Waldyr Azevedo e Ruy Pereira Costa. "Lá vem o Brasil descendo a ladeira", antológico sucesso do seu grupo Novos Baianos, também ganhou uma regravação de Baby. Esse é o clima dos três primeiros álbuns. O que vier eu traço, de 1978, emplacou ainda os hits "Ele mexe comigo" e "Sonho alegre". Pra enlouquecer, de 1979, inclui a doce "Menino do Rio", de Caetano Veloso, tema da novela "Água Viva". Já Baby Consuelo ao Vivo, de 1980, contém o registro de um show "tipo exportação" no Festival de Montreux, em que até "Menino do Rio" teve um arranjo em ritmo de frevo.

Canceriana Telúrica (1981) e Cósmica (1982) flertam com vertentes mais pop, mas sem descaracterizar as raízes de Baby. O primeiro abre com "Curumim chama Cunhatã que eu vou contar", de Jorge Ben, mais conhecida pelo refrão "todo o dia era dia de índio". "Telúrica" foi o sucesso radiofônico seguinte, deixando muitos fãs intrigados sobre o significado da palavra. (Uma nota pessoal: quando eu e meus colegas de trabalho consultamos o termo no dicionário e vimos que não tinha qualquer conotação inadequada, decidimos que éramos telúricos desde pequenininhos. E ainda nos divertíamos perguntando a amigos e clientes mais chegados se também eram ou não.) A ideia do adjetivo foi reutilizada no próximo disco, em que Baby se declarava "Cósmica" na faixa-título. E o arranjo de "Seus Olhos", composição de Baby e Jorginho Gomes, surpreende pelos acordes pesados das guitarras de Pepeu, chegando quase a lembrar o prog metal do Rush.
O ponto de partida das Frenéticas foi o som discotheque, no auge em 1977, quando saiu o LP de estreia (o primeiro disco com a produção assinada por Liminha). Mas havia também um toque carnavalesco, o que resultava num estilo próprio e único. Uma das pessoas que ajudaram a criar o som das Frenéticas foi Rita Lee, que compôs o rock "Perigosa" (com letra de Nélson Motta) e também a divertida "Fonte da Juventude", com o trocadilho "se os olhos da Elizabeth Arden, meu bem, o que a Helena Rubinstein com isso" (Rita repetiria a dose em 1982 em "Flagra": "se a Deborah Kerr que o Gregory Peck..."). Nessa época, Rita ainda estava em sua fase 100% rock and roll. Mas logo ela diversificaria as influências e adotaria para si um pouco do clima "disco-carnaval" das Frenéticas.

Das seis cantoras, apenas uma era profissional: a "Nega Dudu", hoje conhecida como Dhu Moraes. As outras tinham vozes de possibilidades variadas, mas tudo era equilibrado na mixagem. Eram elas: Sandra Pêra (irmã de Marília Pêra), Regina Chaves, Leiloca, Lidoka e a "Nega Didi" (Edyr de Castro). Além de "Perigosa", o primeiro álbum teve como hit uma versão dançante de "A Felicidade Bate à Sua Porta", de Gonzaguinha, e "Tudo bem, tudo bom???? Ou mesmo até" ("prazer em conhecer, somos as tais Frenéticas..."). O LP estourou e, quando as Frenéticas lotaram o Gigantinho, em Porto Alegre, houve quem comparasse a popularidade delas à dos Secos e Molhados em 1973/74.

Duas novelas ajudaram a impulsionar o segundo trabalho das Frenéticas, Caia na Gandaia, de 1978: "Dancin' Days" e "Feijão Maravilha", que tiveram temas de abertura do sexteto, a primeira com a música homônima e a segunda com "O preto que satisfaz", de Gonzaguinha. Também "Lesma lerda" chamou a atenção pela sonoridade do título, num tempo em que palavrões eram proibidos na música, no rádio e na TV. Soltas na Vida, de 1979, manteve o deboche e a qualidade com "Ai se eles me pegam agora" de Chico Buarque, "Agito e uso" de Ângela Ro Ro, "Sonho molhado" de Gilberto Gil, "Perigosíssima" de Rita Lee, Roberto de Carvalho e Nélson Motta e a impagável "É que nesta encarnação eu nasci manga", de Luhli e Lucina ("se você quer me comer, eu dou, eu dou... um pedacinho pra você!"). Mas o sucesso já não foi o mesmo.

Babando Lamartine, de 1980, foi um projeto especial com composições de Lamartine Babo e arranjos de César Camargo Mariano. O chargista Lan, que criava as capas dos discos de Lamartine, foi responsável pelos desenhos da fachada e da contracapa. Mas, embora o disco tenha seus defensores, a opinião geral é de que Mariano – um excelente músico e arranjador, é bom que se diga – descaracterizou a sonoridade dos clássicos do compositor carioca, em especial o andamento mais lento em "O teu cabelo não nega". O próprio Lan manifestou sua decepção quando foi entrevistado por jornalistas de Zero Hora, na época.

A caixa não inclui o quinto e último LP das Frenéticas, Diabo a 4, que saiu em 1983 por outra gravadora, a Top Tape. O título era uma alusão ao fato de que elas eram agora um quarteto, com a saída de Sandra e Regina. Em compensação, as faixas-bônus trazem as três gravações que o time completo realizou em 1993, entre elas o tema da novela "Perigosas Peruas".

As Frenéticas podem ter iniciado como um lance de marketing, mas o importante é que deu tudo certo comercial, artística e musicalmente. Elas veicularam um som discotheque bem brasileiro. Deixam saudade. Lidoka faleceu no ano passado.