segunda-feira, novembro 23, 2015

David Bowie da fase glam rock

 A obra de David Bowie ganha uma nova série de relançamentos com a caixa Five Years, que está saindo simultaneamente em CD e LP. Numa sacada interessante, o título de uma de suas músicas foi usado para indicar o período de cinco anos entre 1969 e 1973. Embora não seja uma opinião unânime, muitos fãs – eu entre eles – consideram essa a melhor fase da carreira do cantor. Aqui surgiu o Bowie roqueiro e andrógino que causou impacto no começo dos anos 70. À primeira vista, parecia uma resposta inglesa a Alice Cooper. Ninguém poderia imaginar as guinadas de estilo que ele faria a partir de 1974.
Para quem, como eu, acompanha o trabalho de Bowie desde os anos 70 (1973, para ser mais exato), a capa do Live Santa Monica '72 parece um corpo estranho em meio aos demais clássicos do período. Embora a gravação ao vivo pertença à época abrangida, o disco só foi lançado oficialmente em 2008, depois de várias edições em bootleg e um CD não reconhecido por Bowie pelos selos Trident e Griffin em 1994. É o único título da caixa que nunca ostentou o logotipo da RCA, ao contrário, por exemplo, de Ziggy Stardust, the Motion Picture, que também teve lançamento atrasado. O show é de 73, mas tanto o disco quanto o filme de D.A. Pennebaker só sairiam dez anos mais tarde.

Os demais álbuns são David Bowie (1969, também conhecido como Space Oddity), The Man Who Sold The World (1970), Hunky Dory (1971), The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars (1972, incluindo um segundo CD com a remixagem que saiu em DVD em 2003, junto com o vinil), Aladdin Sane (1973), Pin Ups (1973) e a coletânea dupla de raridades Re:Call 1. No caso dessa última, os colecionadores estão reclamando – e com toda a razão – que ela omitiu várias faixas que tinham saído como bônus de relançamentos anteriores. É bem verdade que, pela primeira vez, está sendo relançada a gravação original de "Holy Holy", de 1970. Também entraram as mixagens mono de singles de "Space Oddity", "All the Madmen", "Janine", "Changes" e "Andy Warhol". Mas, segundo compilação de um fã que incluiu até mesmo gravações vendidas exclusivamente via iTunes, nada menos do que 52 raridades conhecidas ficaram de fora. As ausências mais notórias são "Lightning Frightening", "London Bye Ta Ta", "Bombers" e "Sweet Head". Considerando o zelo de incluir o álbum Ziggy Stardust em duas mixagens diferentes, a falta dessas quatro faixas não faz muito sentido. 

Deixando de lado as considerações de colecionador, o fato é que esse boxed set contém uma obra simplesmente maravilhosa de rock e criatividade. David Bowie (1969) é talvez o único disco em que Bowie não trouxe um projeto musical definido. Apareceu a chance de gravar o segundo disco (o primeiro saiu em 1967 pela Decca) e o músico reuniu as canções que estavam na gaveta. The Man Who Sold The World é um trabalho pesado, marcado pela guitarra de Mick Ronson, mas ainda sem a coesão dos discos seguintes. Sobre Hunky Dory, já comentei aqui. Ziggy Stardust é uma obra prima de rock de garagem. Aladdin Sane é uma versão mais luxuosa de Ziggy, com destaque para o piano de Mike Garson (já escrevi sobre esse álbum aqui). Pin Ups é um disco de covers em que Bowie se divertiu homenageando seus ídolos dos anos 60. É o mais fraco de seus LPs dessa época, embora tenha seus defensores. 

O pacote inclui um belíssimo livro de capa dura com depoimentos dos produtores Tony Visconti e Ken Scott, comentando faixa por faixa os respectivos álbuns de estúdio em que trabalharam, e uma matéria da época para cada LP, incluindo críticas dos shows que viraram disco. E quem comprar a edição em vinil – bem mais cara do que os CDs – terá as fotos e reproduções de material promocional em páginas de gloriosas 12 polegadas! 

Alguns argumentam que o álbum de 1974, Diamond Dogs, deveria estar nessa caixa. Afinal, foi o último suspiro de Bowie como glam rocker antes de partir para camaleônicas incursões por outros gêneros. Com esse disco, a coleção incluiria a íntegra da fase roqueira de Bowie da primeira metade dos anos 70. Mas aí não se poderia usar o título Five Years, pois a abrangência seria de seis anos, não cinco. O jeito é esperar os próximos volumes e já ir guardando dinheiro. Por fim, cumpre questionar por que nem todos os discos de Bowie tiveram reedições individuais de luxo e, principalmente, criticar a falta de uniformidade desses relançamentos. Agora, pelo visto, o placar foi zerado e o que vier num futuro próximo será em formato semelhante a esta primeira caixa.

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