quarta-feira, maio 09, 2012

Inconsciente Coletivo - o grupo

Prometi que escreveria um longo texto sobre o Inconsciente Coletivo, o grupo de Alexandre Vieira, falecido no dia 4. Mas concluí que tenho tantas lembranças para compartilhar sobre essa banda gaúcha que eu idolatrava com entusiasmo na adolescência que resolvi dividir meu relato em três partes. Assim facilita para mim e para vocês. Vou começar contando a história deles de forma geral, tanto quanto eu a tenha acompanhado e consiga lembrar. Mais adiante publicarei minhas memórias sobre o ensaio deles a que tive o privilégio de assistir em 1976. Por fim, em um terceiro e último testemunho, descreverei o maravilhoso show "Sul, Primeiros Passos", que eles apresentaram em 1977 no auditório da Assembleia Legislativa.

Alexandre e João Antônio Araújo eram vizinhos na rua 16 de julho. Ângela Lângaro era namorada de Alexandre. Os três costumavam cantar informalmente em festinhas e foram descobrindo seu talento para a música. Já no tempo de faculdade, em 1975, decidiram inscrever-se no festival Musipuc, organizado pela PUC de Porto Alegre. Na hora de informar os dados, faltava um nome para o grupo. João Antônio cursava Educação Física, mas Alexandre e Ângela eram colegas na Psicologia. Das matérias que ambos estudavam, surgiu a ideia de batizar o trio de Inconsciente Coletivo. A música "Lar, Doce Lar", de Alexandre, tirou o 4º lugar. Mas talvez mais importante do que a colocação foi o convite de um dos jurados, o radialista Júlio Fürst, para que os músicos tivessem o seu trabalho divulgado no programa "Mr. Lee em Concerto", na Rádio Continental. Aliás, esse Musipuc foi decisivo e trouxe para a emissora outros nomes importantes da época, como Status 4 (que venceu o festival), Fernando Ribeiro e Gilberto Travi.
O Inconsciente Coletivo começou a ter suas músicas rodadas na Continental (em gravações ao vivo ou feitas no próprio estúdio B da emissora) e também a participar da série de concertos coletivos "Vivendo a Vida de Lee", ao lado de Almôndegas, Hermes Aquino e outros destaques do chamado movimento musical gaúcho. A fórmula simples de vozes, violas e harmônica, com influência folk, logo conquistou uma pequena legião de fãs. Alexandre era o principal compositor e fazia o vocal solo. Ângela e João Antônio completavam as harmonias nos refrões ou em detalhes ao longo das estrofes. Às vezes o trio experimentava variações. Por exemplo, em "Caminhante", só as duas vozes masculinas cantavam nas estrofes, com o timbre grave do futuro locutor João Antônio dando um toque mais sombrio. Já "Herói Suburbano" começava com a rara combinação das vozes de João Antônio e Ângela somente, para que Alexandre pudesse tocar sua harmônica. Mas as gravações mais ouvidas eram "Terras Estranhas", "Voando Alto" e "Fadas Douradas", que logo se tornaram clássicas do repertório do grupo.

Em 1976, o produtor da Tapecar, Luiz Mocarzel, esteve em Porto Alegre com o objetivo de garimpar novos talentos para a gravadora. Como já havia feito no ano anterior com Hermes Aquino, desta vez ele se interessou por duas das melhores bandas gaúchas ainda sem contrato: Hallai Hallai (que acabaria não lançando disco) e Inconsciente Coletivo. Outro fato marcante para o Inconsciente foi a entrada de um quarto integrante, Calique, para o baixo. Ele vinha do Mercado Livre e no futuro se destacaria como compositor de jingles e regente e integrante esporádico do ótimo conjunto vocal Canto Livre. Foi como um quarteto que o Inconsciente Coletivo viajou a São Paulo e gravou seu hoje histórico compacto simples no estúdio Templo do Som. A escolha das faixas recaiu sobre as duas composições mais conhecidas dos fãs: "Voando Alto" (lembrada pelo refrão "abra a janela e respire o novo ar da manhããããããã...") e "Fadas Douradas".

O compacto autografado para mim 

O disco chegou às lojas em novembro do mesmo ano, mas a rádio Continental teve acesso às gravações antes e as divulgou em primeira mão. Apesar da produção esmerada, o som acústico e natural do grupo acabou ficando descaracterizado. O acréscimo de bateria foi bem-vindo, mas a ideia do produtor de acelerar o andamento das músicas e adicionar Arp String trouxe resultados duvidosos. Uma novidade foi Ângela fazendo solo em "Fadas Douradas", que ganhou um arranjo levemente inspirado em música japonesa. Na versão da Continental, somava-se à voz dela o falsete de Alexandre. Enfim, ninguém conseguiu esconder sua decepção. Embora de forma alguma o disco pudesse ser considerado "ruim" - tanto que vendeu bem, talvez pela cumplicidade dos fãs - ele não captou a essência do Inconsciente Coletivo. Ah, sim: os créditos de autoria no rótulo oficializavam os novos nomes artísticos Xandy, Tonho e Anginha (embora Júlio "Mr. Lee" Fürst sempre tivesse se referido a eles como Alexandre, João Antônio e Ângela).

Pouco depois do lançamento, o Inconsciente Coletivo gravou dois vídeos dublados para o programa de Fernando Vieira no Portovisão da TV Difusora canal 10. Estranhei que, no final de "Fadas Douradas", Calique dava um sorriso meio debochado. Isso me fez desconfiar que talvez ele não tivesse realmente tocado no disco. Pois Ângela acabou confirmando esse fato na entrevista que concedeu para o livro "Continental, a Rádio Rebelde de Roberto Marinho", de Lucio Haeser. Também um trecho de "Voando Alto", a partir do solo de harmônica, foi usado por algum tempo como abertura do Jornal do Almoço na TV Gaúcha (hoje RBS TV, onde o programa ainda existe).

Em 1977, não havia mais o programa de Mr. Lee. Os artistas que participavam dos shows coletivos tentaram alçar voos mais altos em apresentações individuais. Foi o caso do Inconsciente Coletivo, com seu ótimo "Sul, Primeiros Passos", que breve recordarei com todos os detalhes em um texto à parte. Ali houve o acréscimo de um quinto integrante: o lendário baterista Fernando Pezão, hoje nos Papas da Língua. Também o som do Inconsciente Coletivo se desprendia de sua fórmula original e buscava outros caminhos. No blues "Canteiros de Tramandaí", João Antônio plugava sua guitarra. "Camarada" tinha influência de Jethro Tull, com flauta e tudo. Foram as duas últimas músicas do grupo que ouvi tocarem na rádio Continental. Quando o ano terminou, o Inconsciente Coletivo não existia mais. Na entrevista referida, Ângela cita o fim de seu namoro com Alexandre como uma das causas para a separação da banda.

Ângela largou a música para se dedicar à Psicologia. Alexandre e João Antônio voltariam a tocar juntos por longos anos na Banda dos Corações Solitários do pub Sgt. Pepper's. Paralelamente a isso, João Antônio se lançou como locutor, Discocueca, publicitário e humorista. Um fato hoje pouco lembrado é que Alexandre tentou trazer de volta o Inconsciente Coletivo com outra formação em 1980. Teve curta duração. Ele também participou do show Gaúcho Blues em 1981. Na noite em que eu estava na plateia, ele sem querer rebentou uma corda da viola. Um dos integrantes brincou: "Na viola de cinco, Xandy!" Tempos depois eu o vi romper outra corda em um bar da noite em que tocava. Fui falar com ele rapidamente (ele não se lembrou de mim do ensaio de 1976, nem eu me identifiquei) e perguntei se isso acontecia com frequência, pois eu tinha visto ocorrer o mesmo no Gaúcho Blues. Ele riu.

Confesso que não acompanhei o trabalho de Alexandre a partir do Sgt. Pepper's. Lamento muito não ter assistido ao Anexo 44, pois ele ao lado de Zé Flávio deve ter sido algo muito especial. Como eu disse em meu texto anterior, para mim ele será sempre o Alexandre do Inconsciente Coletivo. Hoje, além das faixas do compacto, duas gravações do tempo da Continental podem ser encontradas no CD que acompanha o já citado livro de Lucio Haeser. São elas "Terras Estranhas" e "Novo Lugar". Ali, sim, encontra-se o som acústico do Inconsciente Coletivo tal como conquistou os fãs na época, sem pasteurizações.

Aguardem a segunda e a terceira parte de minhas lembranças sobre o grupo.

Leia também: 
Inconsciente Coletivo - o ensaio
Inconsciente Coletivo - o show 

4 Comments:

Anonymous Anginha said...

Emilio querido! Não sabe a importancia deste escrito pra cada um de nós desta banda...um pedaço da nossa história, recortada por teu olhar de admiração e carinho.
Só tenho que te agradecer e guardar esta lembrança como um grande carinho...
Obrigada por nós três (sei que o Xandy ia se emocionar ao ler tuas palavras)
bjos, Anginha.

8:34 AM  
Anonymous walter santos said...

Sou fã incondicional do Inconsciente Coletivo. Hoje tenho 52 anos e muitas saudades daquela época. Para mim falta apenas uma coisa: Um arquivo com "fadas Douradas", que guardo apenas na lembrança e não consigo achar em lugar algum pela internet.
Walter Santos
walter.j.s@bol.com.br

9:28 PM  
Blogger Unknown said...

Assisti um show em Santa Maria,na primeira fila e lembro ,como cantei todas as músicas.A vida me trouxe pro Paraná,mas passados mais de 45 anos ainda lembro,e foi essa lembrança que me fez, procurar rastros de uma juventude ingênua e divertida.obrigado por ter registrado a tragetoria deles.

10:40 PM  
Blogger Luis Freitas said...

Sempre fui fã do IC, tinha o compacto deles. Muito legal, estive no show da Assembléia. Outro cara que merece um review é o João Shú, gravou um compacto pela Continental em 1978.

7:06 PM  

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