segunda-feira, janeiro 22, 2007

Visão de vida

Existe uma frase bastante popular que diz: "Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida." Mas será que alguém já tentou fazer o raciocínio inverso? Algo assim como: "Hoje é o último dia de sua vida inteira." Não significa que não haverá outros. Quando falamos "em minha vida inteira", queremos dizer o que aconteceu até agora. O futuro ninguém sabe. Portanto, é legítimo afirmar, sem fatalismo e sem negação do que virá depois: "Hoje é o último dia de sua vida inteira." Ou, se preferirem algo que não corra o risco de ser mal interpretado, "o último dia de tudo o que você já viveu."

Pensando bem, é assim que vemos a vida. Como não sabemos quanto nos falta, sempre achamos que "nossa vida inteira" é tempo que não acaba mais. Meu filho está com 13 anos e, pra mim, parece que foi ontem que ele nasceu. Mas quando eu tinha a idade dele, achava que já tinha vivido muito. Quando fiz 18 anos, tive um momento de reflexão, imaginando que minha juventude estava acabando e eu ainda não tinha feito nada. Aos 30, então, cheguei a me deprimir, pois estava ficando velho e ainda não tinha realizado a metade do que pretendia. Hoje, aos 46, penso de outra forma. Mas continuo achando que já vivi muito.

Vejam, por exemplo, o caso de Roberto Carlos. Hoje todos lembramos de "O Calhambeque" como o seu primeiro sucesso. No entanto, quando a música foi gravada, ele já estava bastante orgulhoso de seu currículo. Afinal, depois de ser recusado por diversas gravadoras e de ter lançado alguns discos que fracassaram, chegava ao seu terceiro LP, "É Proibido Fumar", em 1964. Assim, para comemorar a façanha, aproveitou a introdução falada do início de "O Calhambeque" para citar sucessos anteriores. A primeira frase já dizia: "Esta é uma das muitas histórias que acontecem comigo." Observem: ele estava apenas no terceiro dos que viriam a ser mais de 40 LPs e já tinha "muitas" histórias para contar. Aí vêm referências a "Susie", "Parei na Contramão" e "Splish Splash". A primeira foi lançada em compacto em 1962 e nem chegou a ser conhecida do público maior do rei. Mesmo assim, ele se orgulhava dela. As outras duas até tiveram algum êxito, mas logo seriam eclipsadas.

No mesmo LP, outra faixa de menor destaque também citava músicas anteriores de sua curta carreira: "Louco Não Estou Mais", dele e Erasmo. A letra faz referência a tantos títulos que chega a ser um exercício tentar descobrir as músicas em questão. Entre elas estão "Malena", "Brotinho Sem Juízo", "Mr. Sandman", "Baby Meu Bem" e, novamente, "Susie" e "Splish Splash". Até o nome e verso inicial "Louco Não Estou Mais" pode ser uma resposta a "Louco por Você", faixa título do seu primeiro e hoje raríssimo LP. E no álbum anterior, o segundo, já havia uma música intitulada "Relembrando Malena".

Tudo isso mostra que Roberto Carlos já se achava na posição de fazer um balanço de sua carreira. Olhava para trás e enxergava uma enorme obra. Se pudesse olhar para frente, veria muito mais. Mas não podia. Ninguém pode. Podemos sonhar à vontade, fazer muitos planos e ir à luta, mas o futuro é uma incógnita. Por isso sempre achamos que já vivemos muito: porque o primeiro dia do resto de nossas vidas é também o último de tudo o que já vivemos. E o que vem depois, nunca se sabe.