sexta-feira, janeiro 27, 2006

Sessão de slides

Existem alguns tipos de passatempo ou divertimento que, injustamente ou não, carregam a pecha de "programa de índio". São atividades de interesse bem específico. Muita gente gosta e poderia passar horas entretido com algumas delas. Mas em geral são situações de que todos procuram fugir e você só deve convidar alguém para participar se souber com certeza que a outra pessoa também aprecia.

Exemplo típico: ópera. Entendo a importância desse tipo de apresentação, mas não me atrai. Por favor, não me convidem. Balê, idem. Já um concerto de música erudita pode ser bem-vindo, dependendo da peça executada. Palestras sobre assuntos de meu interesse também. Recital de poesia, depende. Documentários em cinema e TV, adoro. Sessões do planetário de vez em quando até caem bem, especialmente com aquelas cadeiras confortáveis e relaxantes.

Mas, com o advento da fotografia digital, um de meus "programas de índio" preferidos já está praticamente extinto: a sessão de slides. Nenhum tipo de fotografia consegue igualar a beleza de um diapositivo bem projetado. Em uma de minhas viagens, sempre que possível, só comprei slides. Adoro o ritual de apagar a luz e projetar aquelas imagens luminosas e coloridas. Infelizmente, não é algo que dê muito ibope. E a culpa disso é do mau uso que tantas vezes se fez das possibilidades do meio. Fotos impressas você pega na mão e vai olhando na velocidade que bem entender. No máximo, pode enxergar uma expressão de decepção do fotógrafo ao final, como quem diz: "Você nem olhou..." No computador, então, ficou ainda mais fácil. Você só diz: "Manda por e-mail." E depois responde: "Muito legais!" Mesmo que tenha deixado para ver mais tarde e acabe esquecendo ou apagando.


Este é problema da sessão de slides: o espetáculo é totalmente comandado pelo anfitrião. Aí, é difícil para ele entender que as visitas não sentem o mesmo prazer que ele de reviver cada fração de segundo de suas viagens. Uma sessão de slides rápida e dinâmica, como as do fotógrafo Flávio del Mese, talvez fosse bem recebida. Mas não: o anfitrião faz questão de esmiuçar cada detalhe, foto por foto. Quando entra um slide novo, você vê a expressão de entusiasmo no rosto dele, pronto para dizer:

- Ah! Este slide tem uma história!

Ora, claro que tem! Tudo tem uma história. Até os vasos da sala, como minha avó me demonstrou uma vez, contando como, quando e em que viagem tinha comprado cada um. Pois a agonia com que a maioria das sessões de slide é conduzida lembra os vasos da minha avó. A diferença é que, em vez dos vasos, são todos os elementos da foto, sem exceção.

- Este casal que aparece conosco veio de carro desde Buenos Aires. Eles ficaram numa pousada ao lado da nossa. Ele tem uma locadora de vídeo, mas está pensando em vir para o Brasil para montar um negócio...

E quando você pensa que, depois da longa história do casal, o slide vai mudar, vem a parte seguinte:

- Estão vendo aquela porta ali atrás? Pois é: ali é uma loja de material fotográfico. O dono é um sujeito simpático, uns 50 e poucos anos, paulista. Ele me mostrou uma máquina Pentax que me deixou apaixonado. Quase pensei em comprar, ele fazia em quatro vezes no cheque, mas não aceitava pré-datado que não fosse da praça...

Você pensa: que bom, está terminando a história do slide. Mas não:

- Naquele mastro ali atrás, todos os dias, às 8 da manhã, eles hasteiam a bandeira. Cada dia eles escolhem um diferente e fazem uma espécie de cerimônia...

Quando chega no terceiro slide e você percebe que já passou meia-hora, você cria coragem e pergunta:

- Escuta, não dá pra ir passando as fotos mais depressa?

O anfitrião faz cara de surpresa, depois se ofende e responde:

- Puxa, estou contando todos os detalhes pra vocês com a maior boa vontade e vocês nem estão interessados???

- Não é isso, é que ainda tem muita foto pra olhar e, se continuar nesse ritmo, não vai dar tempo de ver tudo!

Para seu desespero, ele diz:

- Ah, mas eu não me importo de ficar aqui o tempo que for preciso para contar a viagem pra vocês. A noite é uma criança, ainda nem cheguei na melhor parte!

Por culpa de gente assim, que transforma uma sessão de slides num misto de ego trip com tortura chinesa, é que poucas pessoas sentem falta desse belíssimo formato fotográfico. Ruim mesmo vai ser quando projetores tipo "data show" virarem moda nas residências. Aí, sim, teremos o pior de dois mundos: as arrastadas sessões de fotos projetadas na sala escura sem a inigualável qualidade das películas de outrora.