Escuta entre paredes
Nos edifícios onde já residi, ouvi de tudo um pouco. Risadas, relatos, fofocas, queixas e gemidos de colocar no chinelo qualquer filminho pornô de segunda. Que Big Brother, que nada! Mas o que mais me impressionou foram as brigas. É incrível como existem famílias em crise, em atrito constante, agredindo-se verbalmente de forma regular e metódica. Felizmente, meus vizinhos atuais parecem conviver em harmonia.
Nos primeiros anos em que morei onde estou hoje, a vizinha abaixo de mim era sozinha. Eu raramente a escutava, só quando ela estava ao telefone. Por isso, criei uma falsa sensação de isolamento acústico. Já os inquilinos atuais, quando se juntam em frente à churrasqueira, parecem estar dentro do meu quarto, de tão próximos. Então percebo quantos de meus telefonemas íntimos, quantos segredos e desabafos, a vizinha antiga deve ter testemunhado. Ouviu tudo. Mas parece ser uma pessoa de bom caráter e não vai usar nada contra mim.
Em prédio pequeno, a vida dos moradores é um livro aberto. Quando converso com visitas ou com meu filho, procuro falar bonito, para impressionar os ouvintes circunstantes. O problema é que nem sempre as visitas sabem que estão sendo escutadas. Às vezes tenho que alertá-las, até para evitar ruído na comunicação. Ontem, por exemplo, foi o caso. Mas primeiro é preciso contar o que houve alguns dias antes. Eu estava voltando ao meu local de trabalho e, quando abri a porta, bati em uma escada. Um empregado estava consertando as lâmpadas bem junto à entrada. Ele afastou um pouco a escada para que eu entrasse, mas calculou mal a minha circunferência. Entrei na marra e a maçaneta quase furou a minha barriga. Voltemos a ontem à noite. Minha namorada me disse:
- Essa tua barriga está feia!
“Oh, não”, pensei. “Os vizinhos ouviram essa frase. Não pode ficar assim. É melhor esclarecer.” E perguntei:
- Por que está feia? Explica!
- Porque está roxa!
- Ah, bom!
Não custa nada evitar mal-entendidos entre paredes.
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