domingo, janeiro 01, 2006

O dilema de ser eclético

Acho que já deu pra notar que eu sou fanático por música. Desde a infância, praticamente. Mas, graças a Deus (e não digo em vão, pois tenho fé), meu gosto musical é bem diversificado. Em minha coleção de CDs convivem pacificamente Carpenters e Sex Pistols, Bee Gees e Iggy Pop, B.J. Thomas e David Bowie, Demis Roussos e Alice Cooper, Beatles e Kiss, The Who e Queen, Pink Floyd e ABBA, Kid Abelha e Engenheiros do Hawaii, Stevie Wonder e Yes, Roberto Carlos e Raul Seixas, Jovem Guarda e Tropicália. E muitos outros exemplos. Um dos textos mais interessantes que já escrevi para o International Magazine foi sobre o Teixeirinha.

É por isso que eu sempre acabo me incomodando em grupos de discussão e comunidades dedicadas exclusivamente a um só artista. Ser fã de Beatles e David Bowie é fácil porque a crítica em geral os reconhece como figuras importantes e revolucionárias no rock. Por outro lado, consigo enxergar perfeitamente – e sem me estressar – que outros ídolos meus, como B.J. Thomas, Bee Gees, Demis Roussos e Engenheiros do Hawaii estão longe de ser unanimidades. Assim como reconheço a inegável importância de Bob Dylan e Elvis Presley, embora o trabalho deles não seja exatamente do meu gosto. Mas nem por isso vou pagar o mico de dizer que B.J. Thomas é melhor do que Elvis. Eu prefiro B.J., mas querer impor minha escala de valores ao grande público seria negar 50 anos de história.

Infelizmente, alguns fãs não querem entender a diferença entre importância e gosto pessoal. Algumas comunidades do Orkut deveriam trazer um alerta: "Só entre aqui se você acha que o [Grupo Tal ou Cantor Tal] é o melhor do mundo, perfeito e infalível, e quem não enxergar isso ou é cego ou tem alguma coisa contra." Aí já não é ser fã, é ser alienado. Certa vez alguém perguntou, na comunidade do Kiss, se a Globo tinha alguma coisa contra o grupo. Sim, a mesma Globo que deu cobertura total à primeira vinda do quarteto em 1983 e fez um especial de uma hora que hoje circula entre os colecionadores em DVD pirata. Ora, por que a Globo teria algo contra o Kiss? Porque não mostra o grupo todos os dias em horário nobre? Não dá pra entender. Outro dogma que eu desrespeitei foi dizer que acho Gene Simmons fraco como cantor e compositor. Como posso ser fã e dizer uma bobagem dessas?

Assim também, os fãs dos Bee Gees estão furiosos porque Robin Gibb veio ao Brasil em 2005 e a cobertura da imprensa foi mínima. Eles se perguntam o que os jornalistas brasileiros têm contra o grupo. Por que dão tanto destaque a shows de bandinhas inferiores como U2 e Rolling Stones ao mesmo tempo em que ignoram a visita de um "ser celestial" (palavras de uma fã) como Robin? Às vezes eu não resisto a tentação de tentar argumentar e sempre me dou mal, pois com fanático não se argumenta. Caí na bobagem de dizer que o som dos Bee Gees é considerado "água com açúcar" e acho que só não fui expulso porque o moderador da comunidade é meu amigo. Ora, onde já se viu eu dizer que o som deles é água-com-açúcar? Calúnia! Às vezes chego a achar que não sou fã dos Bee Gees, apenas penso que sou, pois os que realmente são acham que eles são melhores do que os Beatles. Errado sou eu que não percebo isso.

Há muitos anos uma apresentação de David Bowie foi cancelada porque os Monkees iriam tocar no mesmo dia e local. Isso foi naquela breve mas histórica turnê de 1997 em que os Monkees se reuniram com a formação completa, incluindo Michael Nesmith. Os fãs de Bowie, claro, ficaram furiosos com isso. Quem são os Monkees para tomar o lugar de um semideus? Ora, os Monkees foram uma das bandas mais divertidas dos anos 60. Pré-fabricados, sim, e eles próprios hoje admitem que não tocavam os instrumentos nos primeiros discos. Mas a soma de boas vozes, carisma, músicos competentes, bons produtores e excelentes compositores resultou numa obra musical maravilhosa. Eu adoraria ter assistido aos Monkees nessa turnê. Mas vai explicar isso pros fãs de Bowie.

Eu tô de saco cheio. É por isso que curto os grupos de discussão de colecionadores de discos em geral. Ali estão pessoas como eu, que ouvem de tudo um pouco e, mesmo quando não gostam, respeitam e sabem avaliar a importância de outros artistas. Nos grupos de discussão sobre artistas específicos eu sempre acabo me irritando. Acabei de ser criticado por querer comparar Bee Gees com Carpenters, ABBA e James Taylor. Claro que os Bee Gees foram muito melhores. É evidente! Como posso ser tão burro de não perceber isso?

Vida de eclético não é fácil.

3 Comments:

Blogger jader_cm said...

Passo pelo mesmo tipo de problema! Mas meu entrave é com os fanáticos da MPB. Quer dizer, da antiga MPB "que é a melhor que já existiu e nunca haverá nada igual". Mas eu tomo um tipo de postura mais branda: a indiferença. Quando escuto tal tipo de coisa respondo com um aceno e cabeça acompanhada de um "aham".

Tenho amigos que conhecem muito mais coisas a respeito de bandas de rock que eu e não admitem o fato de eu gostar de "suas músicas". Realmente conheço menos por ter menos contato. Desde muito tempo toco com pessoas da área de música brasileira que me influenciaram a ouvir mais tal tipo de música. Mas eu gosto de muita coisa! E não levo nada pro lado do fanatismo. Isso só não entra na cabeça dos fanáticos...

P.S.: Sim. "Perdi" o meu domingo no seu blog. Não preciso explicar as aspas, né?! Hehehe! E pelo que estou vendo já devo ser o maior "comentador" do seu blog. Por favor me avise quando me tornar muito pedante! Ou: "desligue o telefone se eu ficar um pé-no-saco..." Deixa os fanáticos por Chico Buarque amigos meus lerem isso... Hahahahaha!!

Abraços!

6:49 PM  
Anonymous Rodrigo said...

Ei emilio!

Adorei seu post. Você acha que possam vir a existir bandas e músicos que alterem drasticamente seu estilo ao longo de sua carreira? Isse seria considerado uma falta de personalidade?

Eu acredito que o grande problema do tema é que a maioria não tem conhecimento suficiente sobre o mesmo e acabam com os velhos julgamentos superficiais que dizem que ecletico gosta de tudo.

Uma gama variada de estilos não engloba tudo que existe no mundo e esse tema não sofre péssimas interpretações apenas nas artes, mas também em todas as ciências sociais como o design.

As pessoas se esquecem que existem graus de ecletismo e que o ser verdadeiramente eclético tem profundo conhecimentos sobre os muitos estilos que lhe agradam.

Abraços

9:52 AM  
Blogger Emilio Pacheco said...

Rodrigo, muitas bandas e músicos já experimentaram mudanças drásticas, como David Bowie, Robertinho do Recife (virou metaleiro de uma hora para outra), Luiz Caldas (idem), Queen (mergulhou no funk com sintetizadores em "Hot Space") e outros. Odair José tentou virar compositor "cabeça", Pholhas tentou gravar em português... O problema é o público "acompanhar" essas mudanças. Muitos músicos gostariam de experimentar outros estilos e até experimentam, em seus estúdios particulares. Mas continuam lançando sempre o mesmo tipo de música para não decepcionar seu público.

10:04 AM  

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