Labirinto
Está saindo em DVD no Brasil o filme “Labirinto”, de Jim Henson, estrelando David Bowie e Jennifer Connelly. Eu vi este filme pela primeira vez no cinema, em 1986, e gostei bastante. Filmes infantis criativos e originais sempre me agradaram. Que eu sou fã de David Bowie, todos sabem. Mas eu também adorava o “Muppet Show”, cuja primeira temporada está para ser lançada em DVD nos Estados Unidos (tomara que chegue ao Brasil, também). Então acho fantástico o visual do filme, os bonecos, o labirinto, aquela cena final que desafia as leis da gravidade, enfim, “Labirinto” é um clássico de seu gênero.
No entanto, também tenho por “Labirinto” o que se chama em inglês de “mixed feelings”, expressão que o escritor Ruy Castro traduz sem o menor constrangimento como “sentimentos mistos”. Pra começar, quem já tinha ouvido falar de David Bowie e sabia que eu era um antigo fã vinha me dizer: “E aí, viu que tem um filme com o David Bowie?” Ora, em 1986 fazia dez anos que Bowie havia estrelado seu primeiro longa metragem, “O Homem Que Caiu na Terra”. Depois desse, teve “Apenas um Gigolô” (1979), “Furyo, Em Nome da Honra” (1983), “Fome de Viver” (1983) e um papel secundário em “Um Romance Muito Perigoso” (1986). Descontados projetos menores, “Labirinto” era o no mínimo o sexto filme de Bowie, que já havia conquistado o respeito da crítica como ator. E os desinformados de plantão vinham comentar comigo a grande novidade de que estava passando um filme com David Bowie.
Mas o fenômeno mais intrigante foi a conquista de uma nova geração de fãs a partir desse filme. A popularidade de Bowie já vinha em franca ascensão desde o sucesso do álbum “Let’s Dance” em 1983. Muitos descobriram o cantor com esse disco e chegaram a pensar que fosse o seu LP de estréia. Já o filme “Labirinto”, especialmente no Brasil, apresentou o ídolo a um tipo de público que não combinava em nada com o conjunto de sua obra. Porque Bowie já tinha uma longa história antes, especialmente nos anos 70. Tinha sido um roqueiro surpreendente e revolucionário, iniciando seu trabalho em 1964, lançando o primeiro LP em 1967, estourando com o “glam rock” de “Ziggy Stardust” e “Aladdin Sane” em 1972/73, abraçando a “soul music” com “Young Americans” em 1974/75, experimentando um som dançante e eletrificado com “Station to Station” em 1976 e incorrendo na música eletrônica em parceria com Brian Eno com “Low” e “Heroes” em 1977. “Lodger” dividiu opiniões em 1979, mas “Scary Monsters” foi seu último clássico unânime em 1980.
Os fãs atraídos por “Let’s Dance” ou “Labirinto” não conheciam nada disso. Para eles, Bowie surgiu como um ídolo pop de consumo fácil, um cantor para ser ouvido juntamente com Phil Collins, George Michael, Culture Club e Elton John. E com a vantagem de ter boa aparência, reforçada pelos terninhos que ele usou na turnê “Serious Moonlight” em 1983. Em suma, o roqueiro genial e extravagante dos anos 70 virou galã nos anos 80. O filme “Labirinto” coroou essa fase, com seu apelo instantâneo e as pegajosas músicas da trilha sonora. A balada “As The World Falls Down” fez sucesso no Brasil, tocando até hoje na Antena 1, embora não tenha sido sequer lançada em single. E um detalhe que poucos observam: Bowie nunca cantou nenhuma música do filme “Labirinto” ao vivo. Nem mesmo “Underground”, que ele promoveu bastante na época. Isso decepcionou o público que compareceu aos shows de Bowie no Brasil em 1990, já que, naquele ano, os poucos discos do cantor em catálogo eram quase todos dos anos 80.
Na segunda vinda, em 1997, foi um pouco diferente. Ocorreu com a geração “Labirinto” um processo de seleção natural. Depois do deslumbramento com a descoberta do ídolo (o que chegou a motivar um velho fã a desativar seu fã-clube, pois recebeu uma enxurrada de inscrições de novatos que desconheciam a obra de Bowie), veio a surpresa de saber que havia uma longa lista de títulos anteriores em sua discografia. Quem ouviu esses clássicos do passado e não gostou, percebeu que David Bowie não era o bibelô pop que imaginava e o descartou. Já os ouvintes de cabeça mais aberta descobriram um tesouro onde imaginavam haver apenas um pequeno brilhante. Não se pode reclamar do sucesso de “Labirinto” porque serviu de porta de entrada para muitos dos fãs que hoje admiram o trabalho de Bowie como um todo. Mas de vez em quando ainda leio mensagens de garotas dizendo que adoram Bowie porque ele está liiiiindo no filme. Isso, me desculpem, não é ser fã de Bowie, mas do personagem Jareth.
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