Famoso por tabela
Eu próprio já experimentei essa sensação em escala bem menor. Às vezes acho que o curso de Direito se chama na verdade "Ciências Jurídicas e Sociais" em homenagem ao meu pai, que teve um certo destaque tanto como Juiz quanto como presidente do Clube do Comércio. Meu irmão mais velho foi locutor de televisão nos primórdios da TV em Porto Alegre. Meu outro irmão teve seu momento de fama em 1989, quando era apresentador da TV Goyá e atuou como negociador em um seqüestro em que duas jornalistas subordinadas a ele tomaram o lugar de um garoto como reféns. Minha irmã é hoje uma figura atuante na prevenção da AIDS e foi notícia em todo o Brasil quando ganhou uma ação contra a Veja por uso indevido de imagem. E eu... bem, eu sou filho do meu pai e irmão dos meus irmãos!
É claro que a evidência de pessoas próximas sempre é motivo de orgulho. Mas chega um momento em que a gente cansa e quer ser "a gente mesmo" e não mais "filho do Fulano", "irmão do Beltrano" ou "irmão da Cicrana". É comum as pessoas que me conhecem por meu parentesco começarem me chamando pelo sobrenome, para simplificar a referência. Depois, quando percebem que ninguém me chama assim, passam a usar o meu primeiro nome. Mas já houve o caso de uma pessoa que me chamava pelo primeiro nome e, quando soube de quem eu era irmão, passou a chamar pelo sobrenome. Aí, fui obrigado a pedir que voltasse a usar o primeiro nome. Pior é quando esperam que a gente tenha determinado comportamento em razão do parentesco, como se cada um não tivesse direito a sua própria personalidade. Certa vez um dentista comentou: "Tua irmã é uma pessoa mais dinâmica e tu és mais quieto." Sim e daí? Me deixa quieto, ora!
Existem casos de parentes de pessoas realmente famosas que conseguiram brilho próprio, muitas vezes na mesma atividade de seus antecessores. Gonzaguinha. Luis Fernando Verissimo. Vitor Ramil (irmão de Kleiton e Kledir). Tunai (irmão de João Bosco). Liza Minelli (filha de Judy Garland). Arlo Guthrie. Outros conquistaram seu quinhão de notoriedade, mas sem perder o estigma, como Julian Lennon, Sean Lennon, Yoko Ono (ninguém vai me dizer que essa mulher teria lançado um só disco sem casar com John Lennon), Gary Lewis (filho do comediante Jerry Lewis que se lançou como músico nos anos 60), Dweezil Zappa, Janet Jackson e outros. Ainda é cedo para avaliar os filhos de Elis Regina, mas Maria Rita parece ter chance de ir mais longe do que Pedro Camargo Mariano e João Marcelo Bôscoli. Por outro lado, há exemplos de talentos que superaram os antecessores e fizeram com que os mais velhos é que passassem a ser vistos como "pai do Fulano" e "irmão do Cicrano". É o caso dos jogadores de futebol Zico (irmão do Edu, que bem antes teve seu momento de destaque no América do Rio) e Ronaldinho Gaúcho (irmão do ex-jogador Assis).
Mas a situação de Edinho é mesmo sui generis. Filho do maior jogador de futebol de todos os tempos, ele cresceu no pior lugar do mundo para desenvolver seu potencial com a bola: os Estados Unidos. Para "ter graça" jogar com os americanos, acabou indo para o gol. Talvez se ele tivesse sido tratado como um jogador igual aos outros, conseguisse desenvolver sua técnica com calma e perseverança. Mas a cobrança era enorme. O parentesco lhe abria portas depressa demais. A expectativa era toda em cima dele. Chegou a ter seu momento de glória, mas nunca foi um grande goleiro. E não deixou de ser "o filho do Pelé".
Pelé teve o seu auge numa época em que as pessoas de boa família comentavam à mesa, como quem relata uma tragédia: "O filho da Fulana está fumando maconha!" O jogador sempre fez questão de projetar uma imagem sadia e honesta. E agora suporta o desgosto de ver o próprio filho envolvido em notícia de crime e drogas. Deve haver mais nesse rolo do que apenas uma suposta dependência de maconha. Se todos os usuários fossem presos, iria faltar cadeia. Não eximo Edinho de suas responsabilidades, mas garanto a vocês que não deve ser fácil ser filho de alguém absurdamente famoso. Meu pai é nome de uma rua sem saída perpendicular ao Iguatemi e está de bom tamanho.
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