quinta-feira, janeiro 20, 2005

Branco e o vídeo-tape da polêmica

Tive sorte: achei com facilidade a fita com o jogo Brasil x Argentina da Copa de 1990. Não gravei toda aquela Copa, somente esse jogo. A imagem, que já não era das melhores na captação, ficou um tanto esmaecida pelo tempo, além de não estar sendo vista no mesmo aparelho em que foi feita a gravação. Gravei do SBT, que era o canal com melhor recepção no meu antigo apartamento. Mas foi possível fazer uma análise bem interessante. Branco foi ou não foi sedado naquele jogo?

Os tempos são aproximados, pois várias vezes voltei a fita para rever alguns lances.

A supremacia do Brasil no primeiro tempo é incontestável. Já a um minuto surge uma chance de gol com Careca. Branco, como os demais, demonstra uma vitalidade incrível. Aos 7 minutos, ele surpreende ao correr e salvar uma bola de sair pela lateral na ponta esquerda. Aos 11, cobra um escanteio com precisão milimétrica, fazendo a bola passar na boca do gol, mas Careca, Ricardo Rocha e Ricardo Gomes não a alcançam para finalizar. O primeiro chute a gol da Argentina, a rigor, nem conta: aos 15 minutos, mesmo já estando impedido, Caniggia chuta para as redes. Aos 18, Branco cruza novamente e Dunga, então com seu cabelão de capacete, cabeceia na trave.

Aos 21 minutos, o narrador Luiz Alfredo pede aos comentaristas convidados que opinem sobre o melhor em campo até então. Telê Santana cita Valdo. Émerson Leão concorda, mas acrescenta o nome de Branco.

Aos 22 minutos, Branco protagoniza um belo ataque no meio-de-campo, avançando com vigor. Aos 23, ele, que era lateral-esquerdo (no "meu" tempo se dizia assim), vai parar na ponta direita para mais uma intervenção. Taffarel põe a mão na bola pela primeira vez aos 26 minutos, defendendo um chute de Troglio. Monzon leva cartão amarelo aos 27.

Entre 30 e 32 minutos, o narrador mais uma vez pede a opinião dos convidados: Alemão deve sair? Leão acha melhor substituí-lo no intervalo. Já Telê pensa que ele deve ficar, pois tem a sua utilidade, mesmo sem destaque. Aos 36 minutos, como se tivesse escutado tudo, Alemão salva uma bola de sair para escanteio e parece se redimir.

É aos 39 minutos que começa o lance que está causando polêmica hoje, quase 15 anos depois. Ricardo Rocha dá um carrinho em Troglio e leva cartão amarelo. As imagens seguintes são as que a televisão tem mostrado desde ontem. Primeiro, entram o preparador físico e o massagista para atender ao jogador lesionado. Eu tive que olhar a cena várias vezes, mas consegui enxergar: realmente um jogador argentino pega uma garrafa plástica verde, depois aparece cuspindo o líquido e pega outra garrafa menor branca. Hoje comenta-se que a garrafa verde é que conteria o sedativo e ele teria sido avisado a tempo pelos companheiros. A seguir, uma câmera suspensa mostra uma visão de cima, perpendicular ao gramado, e vai subindo. Mesmo assim, é possível ver um jogador brasileiro se aproximar de um argentino e aceitar uma garrafinha. Primeiro ele molha o rosto, depois bebe o conteúdo. É Branco.

A partir desse momento, é impossível olhar o jogo de outra forma que não preocupando-se apenas com o desempenho de Branco. E é no segundo tempo que aparecem os supostos sintomas. Passado um minuto do reinício, um rebote facílimo vem em sua direção e ele deixa a bola passar como se não estivesse ali. "Vacilou no domínio", comenta o narrador. Mais adiante, faz uma cobrança de escanteio, sem incidentes. Aos 9 minutos, recebe a bola na ponta esquerda, totalmente desmarcado, de Mauro Galvão. Mas, em vez de demonstrar a explosão de sempre, é facilmente acuado junto à lateral por um jogador argentino, sem conseguir desvencilhar-se. Dunga vem em seu auxílio e o narrador conclui que ele tentou cavar uma falta.

Deste ponto em diante, Branco praticamente não aparece no jogo. Não é mais aquele jogador esforçado do primeiro tempo, que ocupava os espaços e buscava as jogadas. Limita-se a receber a bola e repassá-la imediatamente, chegando a fazer isso uma vez de dentro para fora da área adversária. Aos 25 minutos, deixa a bola passar por ele de novo, embora num lance não tão fácil quando o do primeiro minuto. Aos 29, cobra uma falta direto na barreira. "Gozado, eu tive a impressão de que ele ficou na dúvida na hora em que correu. Ele nem chutou ao gol e nem cruzou", observou o narrador. Nova falta aos 33 e desta vez Branco chuta muito alto.

O que acontece aos 35 minutos está na memória de todos os brasileiros: no meio de três jogadores adversários, Maradona consegue passar para Caniggia, que vence Taffarel e marca o gol da Argentina. Aí, claro, bate o desespero. Ricardo Gomes faz uma falta na jogada seguinte e é expulso. O comentarista do SBT, Orlando Gomes, diz que teria valido mais a pena ser expulso por ter feito falta em Maradona e evitado o gol. Ainda antes da cobrança da falta, Mauro Galvão e Alemão são substituídos por Silas e Renato – sim, ele mesmo, o Portaluppi, também conhecido como Renato Gaúcho. Mas não há muito mais o que fazer. Aos 43 minutos, Müller perde um gol feito na cara do goleiro Goicoechea. Chuta o chão. A imagem que melhor resume o final do jogo é a de uma jovem torcedora brasileira assistindo a tudo com os olhos claros cheios de lágrimas.

Certa vez perguntaram a João Havelange, então presidente da FIFA, se não seria o caso de se usar vídeo-tape para tirar a dúvida em lances polêmicos do futebol. Ele respondeu que era contra, pois o erro fazia parte do folclore do esporte. As pessoas ficavam anos a fio comentando determinada falha de arbitragem. Certo. Mas para quem se esforçou e fez corretamente a sua parte, será justo sonegar um método mais preciso de mediação do que simplesmente o olho do juiz? Lembrei disso porque, infelizmente, as falcatruas também fazem parte do folclore do futebol. Só que, nesse caso, não tem vídeo-tape que prove nada. O famoso "benefício da dúvida" nos deixa de mãos amarradas. O Peru entregou o jogo para a Argentina em 1978? Branco foi sedado em 1990? O mais angustiante é que, se a resposta for sim, jamais saberemos como teria sido o segundo tempo com aquele Branco raçudo do primeiro.


Numa nota à parte, gostaria de dizer que a imagem do "amarelinho" do SBT me trouxe lembranças de uma boa época de minha vida. Deu saudade.