Branco e o vídeo-tape da polêmica
Os tempos são aproximados, pois várias vezes voltei a fita para rever alguns lances.
A supremacia do Brasil no primeiro tempo é incontestável. Já a um minuto surge uma chance de gol com Careca. Branco, como os demais, demonstra uma vitalidade incrível. Aos 7 minutos, ele surpreende ao correr e salvar uma bola de sair pela lateral na ponta esquerda. Aos 11, cobra um escanteio com precisão milimétrica, fazendo a bola passar na boca do gol, mas Careca, Ricardo Rocha e Ricardo Gomes não a alcançam para finalizar. O primeiro chute a gol da Argentina, a rigor, nem conta: aos 15 minutos, mesmo já estando impedido, Caniggia chuta para as redes. Aos 18, Branco cruza novamente e Dunga, então com seu cabelão de capacete, cabeceia na trave.
Aos 21 minutos, o narrador Luiz Alfredo pede aos comentaristas convidados que opinem sobre o melhor em campo até então. Telê Santana cita Valdo. Émerson Leão concorda, mas acrescenta o nome de Branco.
Aos 22 minutos, Branco protagoniza um belo ataque no meio-de-campo, avançando com vigor. Aos 23, ele, que era lateral-esquerdo (no "meu" tempo se dizia assim), vai parar na ponta direita para mais uma intervenção. Taffarel põe a mão na bola pela primeira vez aos 26 minutos, defendendo um chute de Troglio. Monzon leva cartão amarelo aos 27.
Entre 30 e 32 minutos, o narrador mais uma vez pede a opinião dos convidados: Alemão deve sair? Leão acha melhor substituí-lo no intervalo. Já Telê pensa que ele deve ficar, pois tem a sua utilidade, mesmo sem destaque. Aos 36 minutos, como se tivesse escutado tudo, Alemão salva uma bola de sair para escanteio e parece se redimir.
É aos 39 minutos que começa o lance que está causando polêmica hoje, quase 15 anos depois. Ricardo Rocha dá um carrinho em Troglio e leva cartão amarelo. As imagens seguintes são as que a televisão tem mostrado desde ontem. Primeiro, entram o preparador físico e o massagista para atender ao jogador lesionado. Eu tive que olhar a cena várias vezes, mas consegui enxergar: realmente um jogador argentino pega uma garrafa plástica verde, depois aparece cuspindo o líquido e pega outra garrafa menor branca. Hoje comenta-se que a garrafa verde é que conteria o sedativo e ele teria sido avisado a tempo pelos companheiros. A seguir, uma câmera suspensa mostra uma visão de cima, perpendicular ao gramado, e vai subindo. Mesmo assim, é possível ver um jogador brasileiro se aproximar de um argentino e aceitar uma garrafinha. Primeiro ele molha o rosto, depois bebe o conteúdo. É Branco.
A partir desse momento, é impossível olhar o jogo de outra forma que não preocupando-se apenas com o desempenho de Branco. E é no segundo tempo que aparecem os supostos sintomas. Passado um minuto do reinício, um rebote facílimo vem em sua direção e ele deixa a bola passar como se não estivesse ali. "Vacilou no domínio", comenta o narrador. Mais adiante, faz uma cobrança de escanteio, sem incidentes. Aos 9 minutos, recebe a bola na ponta esquerda, totalmente desmarcado, de Mauro Galvão. Mas, em vez de demonstrar a explosão de sempre, é facilmente acuado junto à lateral por um jogador argentino, sem conseguir desvencilhar-se. Dunga vem em seu auxílio e o narrador conclui que ele tentou cavar uma falta.
Deste ponto em diante, Branco praticamente não aparece no jogo. Não é mais aquele jogador esforçado do primeiro tempo, que ocupava os espaços e buscava as jogadas. Limita-se a receber a bola e repassá-la imediatamente, chegando a fazer isso uma vez de dentro para fora da área adversária. Aos 25 minutos, deixa a bola passar por ele de novo, embora num lance não tão fácil quando o do primeiro minuto. Aos 29, cobra uma falta direto na barreira. "Gozado, eu tive a impressão de que ele ficou na dúvida na hora em que correu. Ele nem chutou ao gol e nem cruzou", observou o narrador. Nova falta aos 33 e desta vez Branco chuta muito alto.
O que acontece aos 35 minutos está na memória de todos os brasileiros: no meio de três jogadores adversários, Maradona consegue passar para Caniggia, que vence Taffarel e marca o gol da Argentina. Aí, claro, bate o desespero. Ricardo Gomes faz uma falta na jogada seguinte e é expulso. O comentarista do SBT, Orlando Gomes, diz que teria valido mais a pena ser expulso por ter feito falta em Maradona e evitado o gol. Ainda antes da cobrança da falta, Mauro Galvão e Alemão são substituídos por Silas e Renato – sim, ele mesmo, o Portaluppi, também conhecido como Renato Gaúcho. Mas não há muito mais o que fazer. Aos 43 minutos, Müller perde um gol feito na cara do goleiro Goicoechea. Chuta o chão. A imagem que melhor resume o final do jogo é a de uma jovem torcedora brasileira assistindo a tudo com os olhos claros cheios de lágrimas.
Certa vez perguntaram a João Havelange, então presidente da FIFA, se não seria o caso de se usar vídeo-tape para tirar a dúvida em lances polêmicos do futebol. Ele respondeu que era contra, pois o erro fazia parte do folclore do esporte. As pessoas ficavam anos a fio comentando determinada falha de arbitragem. Certo. Mas para quem se esforçou e fez corretamente a sua parte, será justo sonegar um método mais preciso de mediação do que simplesmente o olho do juiz? Lembrei disso porque, infelizmente, as falcatruas também fazem parte do folclore do futebol. Só que, nesse caso, não tem vídeo-tape que prove nada. O famoso "benefício da dúvida" nos deixa de mãos amarradas. O Peru entregou o jogo para a Argentina em 1978? Branco foi sedado em 1990? O mais angustiante é que, se a resposta for sim, jamais saberemos como teria sido o segundo tempo com aquele Branco raçudo do primeiro.
Numa nota à parte, gostaria de dizer que a imagem do "amarelinho" do SBT me trouxe lembranças de uma boa época de minha vida. Deu saudade.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home