Adivinhando questões de provas
Já comentei aqui no Blog sobre um diário que fiz dos 16 aos 20 anos. Acumulei vários cadernos com registros não só do que acontecia, mas também de opiniões minhas, desabafos, de tudo um pouco. Até que, em 2019, finalmente, coloquei em prática um antigo plano: reler todas as minhas anotações, transcrever em um arquivo Word as datas e eventos que desejasse preservar e, por fim, fragmentar os cadernos.
Então tenho hoje comigo um arquivo chamado "Diário Consolidado 1977-1981" onde constam os fatos que fiz questão de guardar para a posteridade. De vez em quando eu o consulto. No primeiro semestre de 1979 eu estava me preparando para fazer o Vestibular de meio do ano da PUCRGS. Já tinha um bom conhecimento de inglês, uma matéria que sempre me atraiu e na qual tenho facilidade. Com essas preocupações em mente, no dia 25 de junho, escrevi no diário:
Em julho do ano passado, caiu na [prova de inglês do Vestibular da] PUC a expressão "be used to ...ing". No último vestibular, caiu "object to ...ing". Este ano poderia cair "looking forward to ...ing".
Esses são os casos mais comuns em que "to" antecede um verbo na função de preposição e não como parte do infinitivo. Por isso mesmo, podem confundir alunos de inglês como segunda língua, pois normalmente estamos acostumados com "to be", "to do", "to have", etc. Mas, se o "to" é preposição, observa-se a regra de que o verbo a seguir tem que estar no gerúndio ou "forma -ing".
No dia 11 de julho, lá estava eu para fazer a prova de inglês da PUC. Naquele tempo, "Língua Estrangeira Moderna" era a única matéria que ocupava todas as 50 questões de um exame, o que facilitava bastante para mim. Bingo! Apareceu a questão que eu previra, com a expressão "looking forward to"!
Mas minha saga de antever questões de inglês do Vestibular estava apenas começando. No segundo semestre, um amigo que almejava o curso de Odontologia me conseguiu três ou quatro provas de anos anteriores consecutivos. Analisei com calma as perguntas de inglês, inclusive fazendo anotações em um caderno, e fiquei com uma visão muito clara do padrão que era seguido. Eram variações sobre o mesmo tema. Dei aulas particulares para meu amigo, com ênfase nos assuntos que eu tinha certeza que constariam no teste. E acertei várias previsões. Frustrante foi constatar que ele errou questões que eu tinha avisado que cairiam. Mas, no ano seguinte, ele foi aprovado. E depois me mostrou que havia escrito meu nome junto a cada uma de minhas "adivinhações" certeiras.
Na verdade, prever questões de exames é algo que os cursinhos preparatórios fazem corriqueiramente. Lembro que, em seu primeiro semestre de existência, o Curso Pré-Universitário, de Porto Alegre, anteviu duas questões de Física que apareceram no Vestibular da PUCRGS. E isso foi amplamente divulgado junto aos alunos que compareciam às chamadas aulas pré-exame. Recordo-me também de um professor de Biologia vangloriando-se de que, no Vestibular anterior, diversas dicas dadas por ele e outros colegas tinham sido, na expressão dele, "um tiro na mosca".
Por tudo isso, acho temerária essa condenação antecipada que a mídia está impondo ao estudante que "adivinhou" questões do ENEM em uma live. Com certeza as pessoas que o "denunciaram" não estão familiarizadas com o caráter repetitivo desses exames em geral. Para que seja evitada uma grande injustiça, um perito deveria analisar as questões de provas anteriores para verificar se elas eram previsíveis ou não. Seria interessante saber também o que pensam a respeito os professores de cursinhos, que a imprensa poderia ouvir. A priori, não vejo nada fora do comum no fato de o rapaz ter previsto perguntas que caíram. Se até eu consegui fazer isso no final da adolescência, imagine um geniozinho como ele.
P.S.: Aliás, a moda agora é alegar fraude por qualquer motivo. Nunca ninguém que eu conheça ganhou na Mega Sena? Fraude! O meu candidato não se elegeu? Fraude! Um atento observador de testes e concursos conseguiu prever três questões do ENEM? Fraude! Acusações sem provas deveriam morrer no nascedouro, mas algumas acabam tendo consequências bem desagradáveis.


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