segunda-feira, dezembro 13, 2021
O aguardadíssimo documentário "Get Back", dos Beatles, teve sua estreia mundial no canal Disney+ nos dias 25, 26 e 27 de novembro. E desde então os Beatlemaníacos não falam de outra coisa. Só o que se lê em redes sociais, sites e blogs são comentários, teorias, análises, teses, reflexões, avaliações, reavaliações, debates, argumentos e quetais. Pois eu, antes tarde do que nunca, não poderia ficar de fora.
De cara, um detalhe que me chamou a atenção é que muitos encararam essa maratona de quase oito horas (dividida em três partes) sem ter visto primeiro o filme "Let it Be". Aí lembrei que a produção de 1969 está fora de catálogo em qualquer formato de vídeo há décadas. Eu a vi pela primeira vez em edição dublada e mal traduzida no dia 15 de setembro de 1979, à tarde, na então TV Difusora (hoje Bandeirantes Porto Alegre) canal 10. Em 1985, estive nos Estados Unidos e trouxe uma edição em fita VHS da Magnetic Media que hoje é raríssima. Aí, sim, assisti várias vezes ao documentário.
"Get Back" nada mais é do que uma versão expandida de "Let it Be", montada a partir das 60 horas originalmente filmadas. Logo, quem conheceu a primeira edição, com apenas uma hora e meia, não haveria de se surpreender em ver os Beatles o tempo todo no estúdio tocando, ensaiando, compondo, experimentando arranjos, interpretando algumas canções de outros de forma descompromissada, só por diversão. Inclusive já era de se esperar que este documentário não fosse bem recebido pelos chamados fãs "casuais", que não se interessam pelo valor histórico (outro motivo para ter visto "Let it Be" primeiro: saber o que é inédito e o que não é). Nunca esqueço um comentário que li na Amazon americana de um cliente que se decepcionou com "The Beatles First U.S. Visit", ainda em VHS, e disse, em última análise: que graça tem ver os Beatles descansando em hotéis? Esse mesmo sujeito deve estar agora pensando que graça tem ver os Beatles ensaiando e tocando várias vezes a mesma música.
Sei que muito desse material já tinha vazado em áudio nos chamados "bootlegs" ou discos piratas. Mas aí vem uma questão pessoal: a fase final dos Beatles sempre foi a que menos me interessou. Eles me fisgaram ainda na infância com "I Want to Hold Your Hand" e depois "Long Tall Sally", "Help!", "Ticket to Ride", enfim, o auge da Beatlemania. Com o tempo, fui descobrindo e aprendendo a gostar dos álbuns Revolver e Sgt. Pepper's. Magical Mystery Tour acabou me conquistando mais adiante. Só consegui captar o Álbum Branco quando o ouvi em CD da primeira à última faixa, em 2009. Mas continuo achando que é um trabalho muito irregular. Considero Abbey Road um tanto superestimado. E não se pode esperar muito de Let it Be, considerando a forma como foi montado (o produtor Phil Spector selecionou as melhores faixas das sessões filmadas de 1969, em que os Beatles tocaram "ao vivo no estúdio" ou no terraço, com um resultado bastante primitivo e cru, mesmo onde houve pós-produção). Enfim, nunca me interessei em ouvir esses "bootlegs", de forma que quase tudo pra mim é novidade, menos o que já estava no filme "Let it Be".
Há quem diga que "Get Back" destrói mitos. Com o devido respeito, discordo. Minha visão é de que ele confirma o que já se sabia, apenas mostrando mais detalhes de bastidores. Os Beatles estavam, sim, em crise, tanto que vemos George anunciando sua saída do grupo diante das câmeras. "Ah, mas depois ele voltou e ficou tudo bem". Certo, mas as cicatrizes foram se somando. Também li uma observação de que "depois desse filme, todos devem desculpas a Yoko". Em primeiro lugar, acho que já devíamos essas desculpas muito antes. Se ela provocou o fim dos Beatles ou não, é irrelevante. O fato é que John encontrou a mulher de sua vida e passou a preferir a companhia dela à de três machos. Depois de tudo o que ele já tinha feito no grupo, quem pode culpá-lo?
Os números musicais são interessantes, mas é nos diálogos que encontramos os detalhes mais reveladores. Paul comentando que, com a morte do empresário Brian Epstein, os Beatles ficaram sem rumo. George dizendo que tem várias composições inéditas acumuladas e pretende lançá-las num disco solo. Ele acabaria fazendo isso, mas depois do fim do quarteto. Os músicos e o diretor do filme original, Michael Lindsay-Hogg, cogitando os mais exóticos e implausíveis locais para os Beatles fazerem uma apresentação ao vivo, até que tudo se resume ao terraço da Apple. E é ali que temos o melhor momento do documentário. Já conhecíamos a apresentação de "Let it Be", mas aqui ela aparece com mais detalhes, vários ângulos de câmera em tela dividida, mais entrevistas de rua, ouvimos as vozes dos policiais que chegaram para mandar parar o show e vemos as claquetes sendo acionadas - um verdadeiro "making of"!
Peter Jackson é informado como diretor dessa nova edição e é um crédito merecido, pois o trabalho de seleção de imagens foi hercúleo e, admitamos, bem feito. Que bom que ele não fez concessões e nos brindou com uma overdose de Beatles em ação, numa situação que, como muitos estão comparando (acertadamente), lembra a fórmula do "Big Brother". Ele ainda fornece legendas explicativas sempre que necessário. Seu único excesso foi alternar a interpretação de "Rock and Roll Music" com imagens de shows de 1966 e acrescentar o tradicional ruído da plateia dos Beatles no auge. O objetivo foi mostrar que aqueles hippies de roupas coloridas e rostos desiguais (com barba/sem barba, com bigode/sem bigode) eram os mesmos que, apenas três anos antes, ainda se apresentavam de terninho e arrancavam gritos do público feminino. Mas não deveria ter feito, pois privou-nos de ver um trecho histórico na íntegra e sem acréscimos desnecessários.
Pena que este material tenha demorado 52 anos para vir à tona. Teve gente, como o lendário Big Boy, da Rádio Mundial do Rio, que nem mesmo chegou a conhecer a série "Anthology", de 1995/96. E ele era um dos maiores Beatlemaníacos do mundo. Pois agora foi Lizzie Bravo, a brasileira que gravou com os Beatles, quem partiu recentemente e não pôde assistir a mais esta relíquia. Quem sabe estejam vendo lá do além.
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