quarta-feira, dezembro 27, 2017

No tempo dos Embalos

O ano de 1978 ficou marcado como especial, para mim. Não necessariamente o melhor de minha adolescência, mas com certeza diferenciado. Eu tinha 17 anos, estava no último ano do 2º grau, com aulas à tarde, e fazendo cursinho pela manhã. Em dezembro do ano anterior eu havia entrado para a Faixa do Cidadão (radioamador "PX") e estava modulando como nunca. Então havia no ar um clima de reta final e de transição. Aos poucos, surgiam novas amizades, novos planos e sonhos.

Foi também um ano de sair com meus amigos, geralmente aos sábados, para ir à boate do Clube do Comércio e também do Cantegril, neste último caso, por indicação de um colega que morava em Viamão. Na primeira dessas saídas, eu lembro que estava no Clube do Comércio, ainda no começo da função, com a pista vazia, quando um amigo falou:

- Agora vão começar a dançar.

- Por quê? - eu perguntei, constatando que, automaticamente, vários casais se movimentavam.
- Por causa dos Bee Gees.

Eu não tive Beatles na adolescência (exceto nos discos, já que eles são eternos), mas vivi o auge dos Bee Gees em sua fase "dançante". No caso, a música que começara a tocar era "More Than a Woman", da trilha sonora de "Embalos de Sábado à Noite". Era considerada a menos impactante das quatro inéditas que o grupo gravou para o filme, por isso era sempre a primeira a se ouvir. Mais adiante vinham a irresistível "Stayin' Alive" e a linda e envolvente "Night Fever". "You Should Be Dancing" não era nova, mas ganhou destaque na cena em que John Travolta dança sozinho, então fazia sucesso também. E, na hora das baladinhas, não podia faltar a romântica "How Deep is Your Love".

Embora eu fosse fã dos Bee Gees desde "Massachusetts", praticamente, não me animei a comprar o álbum-duplo com as músicas do filme, aqui lançado com o nome original de Saturday Night Fever. O dinheiro de minha mesada tinha que ser gasto criteriosamente e eu não iria pagar o preço de dois LPs para de fato aproveitar apenas sete músicas. Além das cinco citadas, valiam a pena também "If I Can't Have You", com Yvonne Elliman, e a versão de "More Than a Woman" com Tavares, ambas de autoria dos Bee Gees. Sempre haverá quem defenda as demais faixas, mas o fato é que havia gravações bem melhores do que as escolhidas na obra de, por exemplo, KC and The Sunshine Band, MFSB e Kool and The Gang. "Disco Inferno" com the Trammps até era uma boa pedida. Acabei conseguindo somente as contribuições dos Bee Gees mais adiante quando comprei a coletânea Bee Gees Greatest.

Pois Saturday Night Fever está sendo relançado em CD por ocasião dos 40 anos da trilha sonora e do filme nos Estados Unidos. Então, finalmente, eu o comprei e agora o tenho em minha coleção. O álbum duplo original cabe num CD só, mas a edição traz um disco bônus com remixagens de "Stayin' Alive", "Night Fever", "How Deep is Your Love" e "You Should Be Dancing". Felizmente não são versões mutiladas, retalhadas ou enxertadas, mas apenas mixagens alternativas com diferenças sutis que somente os mais obstinados perceberão. 

Sobre o filme, lembro bem que havia filas enormes para vê-lo no cinema São João, no centro de Porto Alegre. Era o tempo em que os lançamentos ficavam em cartaz por longas semanas, pois ainda não existia videocassete, pelo menos não em larga escala, muito menos locadoras de vídeo. Um dia percebi que, se eu realmente quisesse assistir aos "Embalos de Sábado à Noite" sem ficar uma hora ou mais de pé na espera, seria melhor encarar outro bairro. Eu já gostava de caminhar, então dei uma esticada até o Cine Center. Aí, finalmente, conheci a tão badalada produção que projetou John Travolta como o ídolo do momento. [P.S.: Relendo meu diário, encontro as datas exatas em que tentei ver o filme no São João, em 1978. No caso: 7 de agosto, duas tentativas em horários diferentes em 20 de agosto, 3 de setembro (com meu amigo Frederico e a mãe dele; acabamos vendo "Se Segura, Malandro", do Hugo Carvana, no Imperial) e 17 de setembro. Foi no dia 1º de outubro que fiz minha caminhada até o Cine Center para, finalmente, conseguir assistir ao filme.]

Outra curiosidade é que havia uma opinião generalizada entre meus colegas de que o filme era "fraquinho". Não soube de ninguém que o tenha visto mais de uma vez. Mal comparando, era também a época de "Guerra nas Estrelas" e esse causou furor entre o público de minha faixa etária. Um amigo vangloriou-se de tê-lo visto sete vezes! Passadas quase quatro décadas, percebo que o problema de "Embalos de Sábado à Noite" é que, sendo um filme sobre discoteca, atraiu um público adolescente. No entanto, a temática do enredo era essencialmente adulta. Hoje consigo captar nuances da trama que, na época, não me chamavam a atenção. Inclusive o final doce amargo, que passa a ideia de que os embalos de sábado à noite são pura ilusão e na segunda-feira voltamos a ser simples mortais, operários da classe média. Outra percepção que a maturidade me trouxe é da letra de "How Deep is Your Love", principalmente o trecho que diz "estamos vivendo num mundo de tolos que nos colocam para baixo quando deveriam nos deixar em paz, pertencemos um ao outro".

O filme já havia sido relançado em DVD e Blu-ray (aliás, a trilha também já tinha saído em CD), mas é possível que venha por aí uma nova edição expandida e remasterizada.