quinta-feira, novembro 17, 2016

A caixa dois de David Bowie

A obra de David Bowie já foi relançada "n" vezes nas mais diversas configurações. A melhor de todas, em minha modesta opinião de velho fã, foi a série da Rykodisc, que teve uma "pré-estreia" no final de 1989 com a caixa Sound+Vision e começou para valer em 1990 com os álbuns individuais, acrescentando faixas bônus raras ou inéditas. Depois disso, houve esporádicas edições de destaque em outros selos, algumas incluindo DVDs com mixagens 5.1, outras casando vinil e CD, como o pacotaço caríssimo de Station to Station em 2010. Mas, no ano passado - portanto antes do falecimento de Bowie -, o placar foi zerado com o lançamento do box Five Years. Agora é a vez da caixa dois, cobrindo os anos de 1974 a 1976.

Novamente, foi usado o título de uma música de Bowie para batizar o produto. "Who Can I Be Now?" (quem posso ser agora?) traduz com perfeição as mutações que começariam nesse período e renderiam ao cantor o apelido de "camaleão". De resto, eu quase poderia reaproveitar o meu comentário da caixa anterior, parafraseando onde necessário, pois o critério é idêntico. De novo, foram incluídas mixagens diferentes dos mesmos álbuns, no caso, David Live e Station to Station. São reduções para estéreo do áudio 5.1 de lançamentos anteriores. Desnecessárias, a meu ver. Seria mais interessante que o pacote contivesse de fato as mixagens 5.1 em DVD ou Blu-ray, mas aí isso já deveria ter sido começado no primeiro volume. Quem sabe um dia teremos todos os álbuns de Bowie em surround, mas isso é sonho para mais adiante. 

Outra repetição indesejável é a ausência de faixas raras do período, reveladas em edições prévias. Há um CD de raridades, intitulado Re: Call 2, mas aqui não se encontram, por exemplo, "Dodo", "Candidate" (versão alternativa), "1984/Dodo", "After Today" e "It's Hard to Be a Saint in the City". As três últimas ainda podem ser conseguidas na mais recente edição da caixa Sound+Vision, mas as outras, somente em versões anteriores do CD Diamond Dogs, todas fora de catálogo. Também foi omitida a gravação de "It's Gonna Be Me" com naipe de cordas, constando somente da edição de 30 anos de Young Americans em 2005. Um dado positivo é a inclusão do show do Nassau Coliseum em 1976 em uma embalagem miniaturizada idêntica à do vinil contido no pacotaço de 2010 citado acima. Naquela edição, os CDs estavam acondicionados em escaninhos  na parte interna da capa dos LPs. Essa gravação, no caso, era conhecida de bootlegs e saiu oficialmente pela primeira vez naquela enorme caixa.

O grande trunfo de Who Can I Be Now? é um suposto "disco perdido" de David Bowie. A princípio, parecia apenas jogada de marketing. O que sempre se soube é que a primeira lista de faixas de Young Americans, gravado em 1974 e lançado no ano seguinte, incluía "It's Gonna Be Me" e "Who Can I Be Now". Depois, quando Bowie se encontrou com John Lennon em Nova York e ambos gravaram "Fame" e "Across the Universe", estas duas músicas acabaram substituindo as anteriores na versão final do LP. Mas agora o próprio produtor Tony Visconti confirma que houve um álbum anterior que foi considerado pronto. Está sendo chamado de The Gouster neste lançamento. Foi esse disco que Bowie mostrou em primeira mão aos fãs que faziam plantão do lado de fora do estúdio Sigma Sound, na Filadélfia, e depois tocou para seu amigo John Lennon. Inclusive o belo livreto que acompanha os CDs reproduz uma matéria da Rolling Stone de outubro de 1974 que atesta essa informação.

O que The Gouster tem de diferente do Young Americans que veio a ser lançado na época? Em primeiro lugar, ele não traz as músicas "Win" e "Fascination", que foram gravadas depois, em Nova York. "Somebody Up There Likes Me", que chegou a ser título provisório do disco, aparece numa mixagem com alterações sutilíssimas, que só quem passou a vida inteira ouvindo a gravação original irá notar. Já "Can You Hear Me" e "Right" são versões inéditas, o que se percebe claramente pelos vocais. "It's Gonna Be Me", "Who Can I Be Now?" e "John I'm Only Dancing (Again)" não entraram no LP de 1975, mas são conhecidas de relançamentos anteriores. Por fim, "Young Americans" é a mesmíssima gravação do álbum a que daria título e que também está nesta caixa. Sim, você leva a mesma faixa duas vezes apenas para que o "disco perdido" não fique incompleto. 

Resumindo, Who Can I Be Now? inclui os seguintes CDs: Diamond Dogs (1974, o último disco da fase roqueira de Bowie), David Live (1974, dois CDs), David Live (remixagem de 2005, dois CDs), The Gouster (o "disco perdido" gravado em 1974), Young Americans (1975), Station to Station (1976), Station to Station (remixagem de 2010), Live Nassau Coliseum '76 (dois CDs) e Re:Call 2 (coletânea de raridades diversas, basicamente mixagens mais curtas de singles). Já se pode antever que a terceira caixa trará as duas mixagens do ao vivo Stage, mas aqui será interessante, pois a de 2005 restituiu a ordem original das músicas no show e acrescentou uma faixa bônus. Who Can I Be Now? é um produto bonito e atraente para fãs, mas lamenta-se a falta de critério, pecando por excesso de um lado e por falta de outro.
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