O futuro chegou!
Curiosamente, o autor do livro sobre uma das mais antológicas trilogias da história do cinema nasceu em 1986 – um ano depois do primeiro filme. Ele não teve a experiência minha e de outros de minha geração de assistir às três produções na sala grande, na época dos respectivos lançamentos. Em compensação, apesar das limitações dos antigos aparelhos de TV e da qualidade de imagem das fitas VHS, ele vivenciou algo muito especial: viu a série completa pela primeira vez numa tarde. Desde então, vem pesquisando tudo sobre "De Volta Para o Futuro". Quando constatou que ainda não existia nenhum livro sobre os bastidores da produção, decidiu ele mesmo escrevê-lo.
Eric Stoltz contracenando com Crispin Glover.
Aqui Michael J. Fox na mesma cena.
"De Volta Para o Futuro" nasceu de uma ideia criada e dirigida por dois Bobs: Zemeckis e Gales. Steven Spielberg foi o produtor executivo. Desde o início eles queriam Michael J. Fox para o papel de Marty McFly. Mas o ator estava envolvido com a série "Family Ties". Como segunda opção, escolheram Eric Stoltz. Depois de cinco semanas de filmagem, os diretores perceberam que algo não estava funcionando. Faltava ao personagem principal o elemento cômico que o roteiro exigia. Numa decisão que envolveu perda de dinheiro investido, acabaram dispensando Eric e insistindo com Michael J. Fox. A solução foi Fox gravar à noite e em fins-de-semana, para poder continuar seu trabalho em sua sitcom. Há quem diga que alguns fotogramas com o ator original entraram na edição final – no caso, quando Marty dá um soco em Biff em uma cena do passado.
Ironicamente, a saída de Stoltz veio a prejudicar também a atriz que contracenava com ele. Melora Hardin deveria fazer o papel da namorada Jennifer, mas havia um problema: ela era mais alta do que Michael J. Fox. Em vez de recorrer aos truques comuns em cinema e televisão para sanar esses desníveis, a produção achou melhor substituí-la. E assim Claudia Wells entrou para o elenco. De resto, os pais de Marty foram vividos por Crispin Glover e Lea Thompson, o vilão Biff por Thomas F. Wilson e o segundo personagem na linha de frente, o cientista Emmett Brown ("Doc"), por Christopher Lloyd.
Duas alterações foram feitas ainda na fase de criação do roteiro. A máquina do tempo deveria ser uma câmara, à moda dos antigos filmes e seriados de ficção científica. Em vez disso, passou a ser um DeLorean DMC-12. O modelo já não era fabricado em 1985, mas a produção conseguiu comprar três carros de um colecionador e os adaptou para as filmagens. A outra mudança foi o animal de estimação do cientista. Era para ser um chimpanzé, mas veio a ser trocado para um cachorro.
À esquerda, Claudia Wells. À direita, a cena recriada com Elisabeth Shue.
Embora o final sugira uma continuação, os criadores não pensavam nisso, inicialmente. Mas, com o sucesso estrondoso da produção no lançamento, em 1985, a ideia se tornou quase obrigatória. Sim, haveria um "De Volta Para o Futuro 2". Mas aconteceram alguns problemas. Claudia Wells não quis participar, pois sua mãe estava com câncer e ela não se considerava em condições para assumir o trabalho. Em seu lugar entrou Elisabeth Shue, que incorporou tão bem o visual de Jenniffer que muitos espectadores nem notaram a troca. Já Crispin Glover não conseguiu entrar em acordo sobre as cifras e também ficou de fora. O pai de Marty, George McFly, era um personagem de destaque com fisionomia marcante, não seria fácil alocar outro ator para o papel.
Jeffrey Weissman de cabeça para baixo. E Fox no papel da própria filha!
Mas os diretores encontraram uma solução. Como algumas cenas do primeiro filme seriam revisitadas no segundo, seria possível reaproveitar imagens de Glover. No "mundo paralelo" de 1985, George McFly estava morto. Por fim, nas raras filmagens novas que se fizeram do personagem, ele foi vivido por Jeffrey Weissman. Mas aparece de cabeça para baixo, com maquiagem de envelhecimento, ou ao longe, fora de foco. Foram maneiras de disfarçar a troca de ator. Ainda assim, Crispin Glover entrou na justiça alegando que seu substituto havia sido maquiado para se parecer com ele, portanto era a fisionomia dele que estava sendo usada. A princípio, os réus usaram o argumento óbvio de que George era um personagem de propriedade deles e poderia ser vivido por outros atores. Mas, por instrução da companhia de seguros, fizeram um acordo extrajudicial com Glover, encerrando o assunto.
Talvez o problema mais grave de toda a série tenha sido o acidente sofrido pela dublê Cheryl Wheeler no segundo filme. Em uma cena do futuro, em que Marty é perseguido por uma gangue em pranchas voadoras, ela deveria atravessar o vidro (feito com açúcar) do enorme prédio em frente à praça e, já do lado de dentro, cair com segurança em sacos de ar. Mas deu tudo errado. Primeiro ela bateu em uma coluna, o que não estava no script. Depois, foi solta dos cabos ainda do lado de fora e caiu diretamente no chão. Tudo isso está no filme, embora apareça muito rapidamente. Os paramentos que ela usava impediram que os ferimentos fossem mais graves, mesmo assim ela precisou de três cirurgias reconstrutoras no braço e no rosto. A exemplo do ator Crispin Glover, Cheryl entrou na Justiça e também veio a obter um acordo extrajudicial.
A dublê Cheryl Wheeler se choca contra o pilar...
...e é solta do cabo ainda do lado de fora, caindo direto no chão...
...enquanto os demais atravessam o vidro e caem em sacos de ar.
"Manhê, eu também quero uma prancha que voa!"
As já citadas pranchas voadoras de "De Volta Para o Futuro 2" tiveram uma curiosa repercussão ainda durante a filmagem. Um programa da NBC havia mostrado cenas de bastidores da produção. Num momento de ironia, Robert Zemeckis citou as pranchas, dizendo que elas eram reais, mas estavam sendo mantidas fora das lojas de brinquedos por razões de segurança. O resultado é que choveram telefonemas para a produção: pais queriam saber como comprar a novidade para seus filhos. Algo semelhante aconteceu recentemente, em 2012, quando a Mattel começou a vender réplicas das pranchas por 120 dólares: diversos compradores reclamaram que elas não voavam!
Quando eu assisti a "De Volta Para o Futuro 2" pela primeira vez, nunca tinha visto o filme "A Felicidade Não se Compra" ("It's a Wonderful Life"), de 1946. Hoje que já o conheço, percebo uma semelhança entre a realidade alternativa que o anjo mostra a George Bailey (James Stewart) e as cenas do "presente modificado" a que Marty e o Cientista retornam depois de visitar o futuro. Via Google, confirmei que a similitude é proposital, ou seja, uma inspiração assumida de um filme para outro. Estranhamente, esse detalhe não é citado no livro de Caseen Gaines. Talvez o autor, como eu na idade em que ele está hoje (29 anos), ainda não tenha assistido ao clássico natalino do diretor Frank Capra.
"De Volta Para o Futuro 3" foi planejado no momento em que os diretores perceberam que o roteiro da segunda história estava ficando longo demais. Em vez de reduzi-lo, optaram por fazer mais dois filmes numa só empreitada. E assim os personagens visitaram o Velho Oeste. Marty conheceu seus antepassados e o cientista encontrou seu par romântico em Clara (a atriz Mary Steenburgen). A banda americana ZZ Top faz uma participação.
Hoje a trilogia "De Volta Para o Futuro" está disponível em DVD e Blu-ray para ser vista quantas vezes se queira. O futuro imaginado pelo segundo filme já chegou – é hoje! Não temos carros voadores e o fax já foi abandonado há tempos, ao contrário do que se vê naquela visão futurista. Por outro lado, o pagamento à vista sem dinheiro já é uma realidade.
Filme de viagem no tempo, por si só, não chega a ser uma ideia original. O que faz dessa saga um sucesso absoluto que conquista fãs até hoje – ou, dizendo de outra forma, até o futuro imaginado no segundo filme – é a engenhosidade com que a proposta foi executada. A trama é brilhante. Personagens encontram a si mesmos em épocas diferentes, destinos se alteram e se revertem em dimensões alternativas e, no entanto, as peças se encaixam com perfeição. No final feliz, ainda fica uma mensagem: nosso futuro não está escrito. Cabe a nós fazermos com que ele seja o melhor possível.
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