Mau exemplo
Já escutei as músicas do garoto. São realmente boas. Ele talvez conseguisse se lançar como músico. Mas entraria na fila normalmente, enfrentando as mesmas dificuldades de qualquer iniciante. Da forma como a imprensa está exaltando o trabalho dele, parece que era um gênio, um Mozart em potencial. Honestamente, fiquei mais impressionado com a fluência em inglês do menino do que com sua habilidade musical. Sem dúvida, tinha talento. Mas sem exageros.
Isso me faz lembrar uma experiência que eu e um grupo de amigos vivemos na Internet. Em 1997, um fã de David Bowie do interior de São Paulo teve a idéia de criar um grupo de discussão sobre o cantor. E assim formou-se uma turma virtual, a princípio com apenas cinco integrantes. Mas foi crescendo rapidamente e logo éramos uma verdadeira comunidade. Quando Bowie veio ao Brasil em setembro do mesmo ano, tivemos oportunidade de nos conhecer pessoalmente. Depois houve mais dois encontros do grupo, mas desses não participei.
Um dia, em 2002, uma integrante do grupo divulgou uma notícia inacreditável: o criador de nossa comunidade havia se suicidado aos 29 anos. Era difícil de entender. Ele parecia uma pessoa feliz, realizada, o último sujeito que imaginaríamos que poderia tomar uma atitude dessas. Pelo carinho que tínhamos por ele, e pela liderança que ele exercia nas nossas conversas, decidimos divulgar a notícia nos principais sites dedicados a David Bowie. O próprio cantor tomou conhecimento, pois o fato foi registrado em seu site oficial, a BowieNet, com foto e tudo.
Um ano depois, praticamente na mesma época, outro membro do grupo, também atuante, seguiu o mau exemplo. Foi então que percebemos o erro que havíamos cometido. Nossa intenção havia sido apenas a de homenagear um amigo querido. Não percebemos o risco que é divulgar esse tipo de notícia. Em jornalismo, só se noticiam suicídios de pessoas realmente famosas, como Getúlio Vargas ou Kurt Cobain. De resto, se um João Ninguém se atirar do Empire State, os jornais não publicarão uma só linha a respeito. De qualquer forma, é difícil para nós mensurar o quanto a atitude do primeiro colega de grupo pode ter influenciado a imitação pelo segundo. A única certeza que tivemos é a de que, desta vez, ficaríamos quietos. Não divulgaríamos nada. E também nunca mais iríamos "homenagear" ninguém por fazer uma besteira como essa.
Entendo o quanto a promoção da obra musical desse rapaz deve estar sendo importante para os pais, que assim mantêm o filho vivo através de sua arte. Mas, por mais talentoso e bom caráter que ele fosse, o fato é que tomou uma atitude estúpida que não pode, de forma alguma, servir de exemplo para ninguém. Por que a família dele não se engaja em campanhas de prevenção de suicídio? Seria uma atitude de nobreza semelhante à de Diza Gonzaga, que hoje procura evitar que outros jovens morram em acidentes de trânsito, como aconteceu com o filho dela. Acho que as gravadoras, e os próprios jornalistas, deveriam dar preferência à divulgação de talentos que ainda estão aí, de bem com a vida e dispostos a apostar no futuro. Porque, queiramos ou não, o que fez este garoto passar de ilustre desconhecido a celebridade não foi apenas a qualidade do seu trabalho, mas a curiosidade sobre sua morte. E isso é temerário valorizar.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home