terça-feira, outubro 30, 2007

"Test-drive" de livros e discos

Hoje, na Feira do Livro, vi um cliente folheando "1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer" e fiquei interessado. O conteúdo e a diagramação, vistos de relance, me atraíram. Pensei: vou esperar um pouco e dar uma olhada no livro, também. Mas o sujeito, que parecia regular de idade comigo, não esboçava o menor sinal de que iria largar o volume de mais de mil páginas. Examinava cada uma delas com calma, tranqüilo, sem pressa nenhuma. Resolvi dar uma volta em outras barracas para voltar depois.

Isso me lembrou de algo que acontecia nos anos 70, quando eu ainda não havia descoberto o prazer da leitura (exceto gibis), mas já comprava discos. Naquele tempo, as lojas tinham cabines onde a gente entrava para ouvir os LPs e compactos. Eu normalmente escutava três LPs e levava um. Hoje é possível ouvir trechos de CDs pela Internet, mesmo, mas na era do vinil, não existia essa facilidade. Quase sempre eu ia com amigos que escutavam comigo os LPs dentro da cabine. E eles ficavam indignados porque, se fosse eu a comandar o toca-discos, não deixava a agulha por muito tempo na mesma faixa. Alguns segundos eram suficientes para saber se uma música me agradava ou não. Se não me cativasse na hora, eu passava para a faixa seguinte. Se gostasse, compraria o disco para ouvi-lo em casa, com calma. Não via sentido em perder tempo, mas meus amigos ficavam possessos. Um deles, certa vez, reclamou: "Eu quero ouvir o som, mas tu não deixa!"

Alguns anos depois, outra experiência me convenceu de que eu era minoria. De que era normal alguém pegar um disco para ouvir na loja e demorar uma eternidade. Encontrei um LP dos Ramones por oferta e avisei a um amigo meu que era fã do grupo. Levei-o até a loja, inclusive. Aí, ele pediu para escutar o LP. Isso foi bem no comecinho dos anos 80, quando as cabines já tinham sido substituídas por fones de ouvido. Meu amigo colocou os fones, posicionou a agulha na primeira faixa e esqueceu da vida. Quando já devia fazer dois minutos que ele estava ali, ouvindo a mesma música, eu próprio comecei a ficar constrangido. A moça da loja interveio: "Não dá pra ficar ouvindo muito tempo!" Ele, com toda a calma, respondeu: "Quero ouvir bem a música." Então percebi que, o que para mim era apenas um "test-drive", para outros era a chance de "curtir um som", como se dizia na época.

Voltando à Feira do Livro: depois de algum tempo, retornei à mesma barraca. Lá estava o cidadão ainda folheando o livro que me interessara. Desisti de esperar. Procurei uma vendedora que estivesse mais para o lado, longe dele, e perguntei:

- Quanto é o livro que aquele senhor está folheando?
- Vou ter que pedir licença pra ele para olhar o preço.
- Mas vocês só têm aquele ali? Aquele eu não quero, está usado!

Acabei comprando em outra banca. Nunca cronometrei o tempo que eu levo examinando um livro, mas acho que sou rápido como no tempo dos discos: bato o olho e já sei se vai me agradar ou não. E raramente erro. É verdade que existem lojas que pecam pelo extremo oposto, mantendo seus produtos lacrados ou não permitindo que compradores em potencial folheiem livros ou revistas. Mas que tem gente que abusa, tem.