Partido Alto
Na semana passada, descobri outra maravilha: o fórum de discussão do IMDB. Tudo em inglês, como os primeiros que freqüentei na Internet. Ainda terei muito o que explorar, mas procurando ao acaso os debates sobre o "King Kong" de 1976, uma dúvida de um membro me chamou a atenção. Ele queria saber por que, na cena final, Jack (Jeff Bridges) não atende ao chamado de Dwan (Jessica Lange). Kong acaba de morrer caindo de uma das torres gêmeas do World Trade Center. Os repórteres a cercam. Ela chama: "Jack! Jack!" Ele olha hesitante, mas não se aproxima. Quando vi o filme pela primeira vez, achei que a multidão o impedia. Hoje percebo que não é bem isso. Dwan fez sua opção pela caça ao estrelato. Jack é um pesquisador, um idealista. Eles pertencem a mundos diferentes. A escolha de Dwan os coloca em caminhos incompatíveis. Ele percebe isso e por esse motivo não atende a seu chamado.
Isso me faz lembrar de uma novela da Globo que não acompanhei, mas casualmente assisti a parte do capítulo final. Era "Partido Alto". Não recordo o nome dos personagens, mas dos atores, sim. Beth Faria é uma carnavalesca que acaba se envolvendo com seu advogado Armando Bógus. Os dois saem para um passeio de barco casualmente num dia de desfile. Beth aceitou o convite do pretendente, mas não larga o radinho de pilha. E por ele fica sabendo que sua escola não vai bem na avenida. Lá pelas tantas, não se agüenta. Pede desculpas, diz que precisa ajudar seus colegas. Sai do barco e logo a seguir já aparecerá de fantasia em meio aos foliões aos gritos de "pra cima, pra cima", tentando reverter o quadro de desânimo. Mas antes disso, na cena anterior, há um momento que é simbólico. Quando Armando Bógus se vê sozinho no barco, pega os dois copos – o dele e o que Beth largou – e bate um contra o outro, num "brinde" de resignação.
No dia seguinte, no ambiente de trabalho, era inevitável que as colegas mulheres não falassem de outra coisa. Até que veio o assunto da cena de Beth e Armando. Comentei de passagem que no final eles não tinham ficado juntos e uma de minhas colegas contestou: "Claro que não, depois do Carnaval eles se reencontraram!" Achei meio forçada essa interpretação e, para tentar entendê-la, perguntei se eram casados (lembrem-se: eu não tinha acompanhado a novela). Pronto, foi o que bastou para começarem a debochar de mim. "Parece a minha sobrinha", "parece o meu filho", enfim, eu virei o sujeito mais ingênuo do mundo por fazer essa pergunta. Ora, eu só estava tentando entender a lógica para chegar a uma conclusão, na minha opinião, totalmente equivocada.
Este é um dos lados fascinantes da ficção: aquilo que não aparece. Na fantasia, em princípio, tudo pode se supor. Mas acho que certas intenções do autor são óbvias. No momento em que Armando Bógus brindou sozinho com dois copos, estava selado o fracasso do relacionamento dele com a foliã. Como Jack e Dwan do "King Kong" de 1976, eles também pertenciam a mundos diferentes. Isso pra mim ficou evidente. Mas não, minha colega achava que, depois do Carnaval, eles se reencontrariam. E ainda riu de mim quando fiz uma pergunta para tentar entender como ela, que eu considerava uma pessoa inteligente, poderia ter entendimento diverso.
Nesse aspecto, aliás, muitas continuações de filme acabam mostrando um seguimento diferente do esperado exatamente para poder prorrogar a história. Se a novela não tivesse acabado ali, eu até poderia supor que os dois personagens se reencontrassem. Não vai muito longe: o produtor Dino de Laurentiis fez uma continuação para o "King Kong" de 1976 e mudou retroativamente o final do anterior: a fera não morreu. Ora, quem tinha visto o primeiro filme lembrava bem das batidas de coração que por fim cessaram. Mas não, ele sobreviveu. "King Kong 2" o salvou.
Estou até hoje com o final de "Partido Alto" engasgado. Acho que a interpretação de que os personagens de Armando Bógus e Beth Faria continuariam namorando depois do Carnaval é primária, típica de quem não faz uma leitura mais ampla da trama. Enfim, esse é o público de novela.
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