terça-feira, agosto 08, 2006

Lembranças e sonhos

Às vezes lembro de quando o Internacional vendeu Falcão para o Roma. Foi em 1980. Houve uma verdadeira comoção na comunidade esportiva. A revista Placar imprimou na capa: "Incrível: venderam nosso maior jogador!" Dentro, um editorial fulminava: "Veste a 5, Asmuz!" O então presidente do Inter foi execrado por deixar ir embora um símbolo da era pós-Pelé. Foi bem na época da primeira vinda do Papa ao Brasil. Enquanto a multidão na Praça da Matriz gritava "ucho, ucho, ucho, o Papa é gaúcho", o chargista Marco Aurélio, da Zero Hora, desenhava os italianos respondendo "ano, ano, ano, Falcão é italiano". No Correio do Povo, Milton Jung escreveu um texto emocionado, dizendo que por algum tempo não teria graça acompanhar futebol. "Mas depois a gente acostuma", resignou-se.

Na verdade, eu diria que nos acostumamos depressa demais. Sem que ninguém soubesse, a ida de Falcão para a Itália foi o começo do esvaziamento do futebol brasileiro. As gerações mais novas nunca conhecerão a emoção de rever os jogadores da Seleção Brasileira nos times que disputam o Campeonato Brasileiro. Nossos craques estão todos na Europa. A última Copa em que os jogadores da Seleção eram todos de times brasileiros foi a de 1978 na Argentina. Hoje, a venda de um bom jogador para um time estrangeiro já não causa o furor de outros tempos. Pelo contrário: basta algum integrante de equipe local começar a se destacar e a gente já se pergunta: até quando ele estará aqui? Por quanto tempo o time conseguirá mantê-lo?

Mas em 1980 o futebol brasileiro ainda era nosso, só nosso. Por isso a saída de Falcão foi tão traumática. E, em nossa ingenuidade, ainda tentamos acreditar que seria um fato isolado. Que não seria o começo de um irreversível êxodo. Naquele momento, a sensação da perda deixou os colorados inconsoláveis. Esse desânimo generalizado, de alguma forma, influiu no desempenho do time em suas duas últimas partidas com seu maior craque. E foi justamente na final da Libertadores. O Inter empatou em zero a zero com o Nacional de Montevidéu no Beira-Rio, depois perdeu de 1 a 0 no Estádio Centenário. Falcão despediu-se com derrota.

Mas 26 anos se passaram. Os tempos são outros. Hoje já sabemos que nem adianta sonhar com novos "Falcões", que eles logo alçam vôo. Mas nosso futebol esvaziado ainda tem garra. Os craques estão na Europa, mas a camisa vermelha e a torcida motivada estão aqui. Perdemos Falcão em 1980, mas quem sabe não podemos ganhar a Libertadores em 2006? O São Paulo não é um adversário fácil, mas a chance existe.


Nunca mais teremos um Falcão. Mas ainda podemos sonhar com a taça.