John Lennon
Na manhã do dia seguinte, comecei a dar uns telefonemas para convidar meus amigos para minha festa de aniversário. Meu amigo Frederico me falou que John Lennon tinha sido assassinado e o Japão estava indignado com o fato. Até hoje não sei explicar por que, mas algo (negação?) fez com que eu não desse à notícia a devida importância. Não é que eu não tenha acreditado, apenas não caiu a ficha. No telefonema seguinte, eu já tinha esquecido. Até que o Vinicius, num tom bem mais sério que o Frederico, me perguntou:
- Sabia que o John Lennon morreu?
Só então me dei conta: peraí, isso não é uma notícia qualquer, morreu John Lennon! Assim que desliguei o telefone, liguei a televisão. Estava passando o clip de "Stand by Me" no programa de Fernando Vieira, com algumas inserções em câmera lenta para dar dramaticidade. À noite, no Jornal Nacional, apareceram depoimentos de Pelé, Erasmo Carlos e Elis Regina. Erasmo chorava feito criança: "Com John Lennon eu aprendi o que era a paz!" Eu, como Beatlemaníaco desde a infância e fã de Lennon por toda a adolescência, fiquei bem impressionado. À noite, escrevi no meu diário:
09/12/80 – Terça-feira
Essa data vai entrar na história. É difícil aceitar o que aconteceu. A notícia se espalhou rapidamente e eu não me conformo. Tem gente, como Erasmo Carlos, que está chorando. E eu repito que custo a acreditar. Mas a verdade é que John Lennon foi assassinado. John Lennon está morto. Agora, mais do que nunca, o sonho acabou. Mas Lennon há de viver pela sua obra, com ou sem os Beatles. Talvez ele esteja no mundo que imaginou, sem países, sem religiões, sem nada por que morrer ou matar. Talvez ele esteja apenas dormindo, sonhando o sonho número nove. Talvez ele tenha seguido o seu caminho para o outro lado do universo. Ele foi para junto de Julia, sua mãe. Para ele, um revólver quente não foi a felicidade. Mas onde quer que ele esteja... ele está aqui.
"I read the news today, oh boy
About a lucky man who made the grade"
(A day in the life)
"Wherever you are, you are here.'
(You are here)
"Please don't wake me,
no, don't shake me
leave me where I am
I'm only sleeping."
(I'm only sleeping)
[Seguem-se duas páginas em branco.]
Alguns fazem um minuto de silêncio. Outros botam bandeira a meio pau. Eu deixo uma folha em branco em homenagem a John Lennon, o primeiro ex-Beatle a morrer.
A rigor, o "primeiro ex-Beatle a morrer" foi o baixista Stuart Stucliffe, mas na hora nem me lembrei desse detalhe. Referia-me à formação clássica de John, Paul, George e Ringo.
No dia seguinte, o chargista Marco Aurélio, da Zero Hora, desenhou John Lennon em cima de uma nuvem enquanto Jesus Cristo, com a mão em seu ombro, lhe dizia algo assim: "Sabe, John, se na minha vinda eu tivesse trazido uma guitarra, talvez tivesse sido mais fácil." A Rádio Gaúcha FM (freqüência 94.1, futura Atlântida), que tinha como slogan "uma rádio com alegria de viver", publicou um anúncio em homenagem a John e assinou "só hoje, uma rádio sem alegria de viver". Eu abri as anotações do meu diário nesse dia assim:
Só uma retificação: pelo horário de N.York, Lennon morreu às 23:30 de anteontem (01:30 de ontem, pelo horário de Brasília).
Por isso, para mim, o dia marcante é 9 e não 8. Segue a transcrição.
Eu confesso que a morte dele me deixa com um gosto amargo. Por que ele? Eu sei que os Beatles não viverão para sempre. Mas por que aos 40 anos? Por que na hora de recomeçar? O Imperial vai reprisar "Help". Ah, John Lennon... Lembro-me da primeira vez em que ouvi "Imagine", numa fita que tenho até hoje. E quantas vezes ouvi o LP "Mind Games" desde que o comprei em 74? Eu posso me considerar um fã autêntico. Já chorei pelos Beatles. Foi quando não pude ver "Os Reis do Ié Ié Ié" porque a censura era 10 anos. Eu tinha 5 ou 6 anos e tinha discos dos Beatles. Tinha fotos dos Beatles. Vi "Help" duas ou três vezes, naquela época. Hoje, tenho que aceitar a idéia de que John Lennon já está morto. Só me resta torcer para que percebam que ele foi, é e sempre será maior do que Elvis Presley, Jimi Hendrix e Janis Joplin.
No dia 12, completei 20 anos. No ano seguinte, comecei a trabalhar bem na semana em que a Somtrês lançou uma revista especial sobre John incluindo um disco com trechos da última entrevista. Então, de certa forma, a morte de John Lennon marcou o fim de minha adolescência e o começo da vida adulta. Hoje é curioso pensar que, sempre que olho para uma foto de John, estou enxergando alguém mais jovem do que eu.
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