domingo, agosto 28, 2005

Serviços especializados

Agora há pouco precisei de um táxi (meu carro está com um problema – aliás, mais um, agora na caixa de câmbio) e, enquanto voltava, pensei: o aparente martírio desse motorista, tendo que trabalhar altas horas da noite, na verdade é uma situação muito parecida com a minha, quando viro a noite traduzindo. Claro que ele está se expondo a riscos e eu, não. Mas, fora isso, não vejo tanta diferença. E garanto a vocês: assim como ele provavelmente não teria condições de trabalhar como tradutor, eu também não possuo os requisitos para ser motorista de táxi.

Em primeiro lugar, eu detesto dirigir. Estranho, vocês acham? Pois é: um homem que não gosta da direção. Nem de automóveis. Talvez se eu pudesse ter sempre o carro do ano, mantê-lo bem conservado, eu pensasse de outra forma. Mas por melhor carro que eu pudesse comprar, isso não mudaria a condição de nossas estradas, que além de esburacadas, são mal iluminadas e mal sinalizadas. Não tornaria o trânsito mais civilizado. Apenas me daria uma vantagem a mais em meio ao caos.

Outro problema: apesar de sempre ter morado em Porto Alegre, eu sou um péssimo conhecedor de ruas e trajetos. Quando tirei minha carteira, aos 18 anos, a maioria dos bairros era desconhecida para mim. Ou então eu até conhecia os lugares, mas não sabia como ir de um ponto ao outro. Meu instrutor de auto-escola foi avisado disso e imaginou que, me fazendo percorrer a cidade de cabo a rabo, sanaria essa deficiência. Mas eu estava tão preocupado em dirigir corretamente que apenas ia seguindo as direções indicadas, sem realmente aprender os caminhos. Até hoje, se alguém me guia até um determinado local dando as instruções de última hora, eu não memorizo a seqüência de ruas que me levou até o destino. Para muitos de vocês, isso deve ser tão estranho quanto é para mim saber de pessoas que moram vários meses – ou anos – nos Estados Unidos ou Inglaterra e não aprendem inglês como poderiam. Uns são impermeáveis para idiomas, outros para ruas e traçados.

Outra observação que de vez em quando eu faço é a de que não tenho o que eu chamo de "inteligência de empregada doméstica". Percebi isso claramente nos dois períodos em que morei com minha irmã. Meus sobrinhos são organizados e ordeiros, mas eu deixava um rastro de tralhas reviradas por onde passava. Muita gente contrata faxineira por comodismo. Eu, não: para mim, ela é uma profissional que detém um conhecimento que eu não tenho. Estou pagando por um serviço especializado que eu próprio não conseguiria realizar. Por isso, fico furioso quando vejo a classe média fazendo drama cada vez que aumenta o salário mínimo. E agora, como vamos continuar remunerando nossas empregadas? Com o reajuste legal, é óbvio. Afinal, o trabalho delas não é moleza. Eu não trocaria minhas traduções por serviços de faxina, ainda que ganhasse o mesmo. Aliás, acho que nem ganhando mais, sinceramente.

Em qualquer atividade sempre existirão os bons e os maus profissionais, mas tenho o maior respeito por quem realiza esses serviços menos valorizados. São habilidades especializadas como quaisquer outras e muitas delas eu não possuo. Então complemento minha renda fazendo traduções, porque é uma de minhas capacidades. Com o dinheiro que ganho, pago uma faxineira para limpar o apartamento, chamo um táxi quando não posso usar o carro e contrato um eletricista se há problema na instalação. Se pudesse, teria uma empregada doméstica em tempo integral. Eu digo, sem ironia, que não ganho o suficiente para remunerar esse serviço altamente especializado.