terça-feira, junho 14, 2005

A máquina do vovô

Num futuro que pode ou não ser próximo, um garoto foi passar o domingo na casa de seu amiguinho. Depois do tradicional churrasco, depois de brincar até cansar, os dois se atiraram cansados no sofá da sala para ver televisão. O vovô, já bem idoso, mas ainda lúcido, estava confortavelmente instalado em sua cadeira cativa. Aí o amiguinho criou coragem e perguntou:

- O Juquinha me disse que no seu tempo não existia computador, é verdade?

O vovô, feliz de ver um garoto interessado em suas histórias, responde:

- Existir, existia, mas não como esses que a gente tem em casa. Eram enormes e ficavam num lugar chamado CPD – Centro de Processamento de Dados.
- Ah, entendi. Era tipo um cybercafé, né? Quem quisesse acessar a Internet ia lá!
- Não! Naquele tempo não existia Internet. O computador era praticamente outra coisa com o mesmo nome. Não era para uso de todos.
- Como se mandava e-mail?
- Não existia e-mail. A gente mandava carta pelo correio. Naquele tempo o correio não era só pra enviar pacotes. Mandava cartas, também.
- Mas como se fazia pra digitar um documento?
- Você nunca ouviu falar em máquina de escrever? Em datilografia?
- Não, nunca.

E o vovô, entusiasmado, levanta-se da cadeira.

- Vou mostrar uma pra vocês!

E o simpático velhinho leva os garotos até uma sala empoeirada no fundo da casa. Abre um armário e tira de lá uma paleozóica Royal, ainda funcionando. Pega uma folha de papel A4, coloca-a na máquina e se põe a demonstrá-la. Os garotos exclamam:

- Que legal, é um teclado com impressora! Como se faz pra voltar no que se digitou?

O vovô mostra a tecla "retrocesso". O garoto estranha:

- Ué, voltei e não apagou o que foi digitado!

O vovô explica:

- Não, não apaga. Você tem que cuidar pra não errar. Até tem como apagar, mas tem que usar uma borracha especial e nunca fica a mesma coisa. Peraí, acho que tenho uma aqui pra mostrar...

Fuçando numa gaveta, o vovô acha uma borracha velha, mas ainda usável. E mostra como apagar uma letra mal teclada. O garoto comenta:

- Ah, mas é muito complicado. E o corretor ortográfico, como funciona?

O vovô não sabe se ri ou se chora.

- Não tem corretor ortográfico! No meu tempo, só bons redatores e bons datilógrafos podiam usar uma máquina de escrever.
- O que é dati... Como é mesmo?
- Datilógrafo. Era quem usava a máquina de escrever.

Neste momento o vovô começa a se sentir inferiorizado, como se os aparelhos do seu tempo não fossem tão sofisticados quanto os atuais. Até que vem a pergunta seguinte:

- Se não tem monitor, onde aparece a mensagem "Este programa executou uma operação ilegal e será fechado?"
- Isso não existia. Você datilografava até o fim, sem medo.
- Como assim? Nunca falhava?
- Os aparelhos do meu tempo até podiam quebrar, mas iam pro conserto pra voltar funcionando.

Intrigado, o garoto examina a máquina de escrever por cima, por trás, por baixo e questiona:

- Mas não tem unidade de disquete nem CD?

O vovô responde:

- Claro que não tem! Por que teria?
- Mas o senhor não acabou de dizer que, se um aparelho desse problema, ia pra assistência técnica?
- Sim, falei.
- Então! Como eles faziam pra reinstalar o sistema?
- Ora, não tinha que reinstalar nada. Só consertavam o que estivesse com defeito e pronto.
- Não precisava nem passar Scandisk e antivírus?
- Não! Naquele tempo só existia vírus em seres vivos, não em máquinas.


O garoto e o Juquinha, neto do vovô, agradecem a atenção e se retiram para voltar a brincar. Mas antes, comentam:

- É verdade o que o seu avô falou? Que máquina de escrever nunca falhava na metade, não tinha vírus e podia consertar sem reinstalar?
- Não dá bola pro vovô, ele gosta de contar lorota. Um dia desses me mostrou uns pedaços de plástico com as figuras de uns fantasmas e disse que no tempo dele se usava para imprimir fotos. E ainda disse que elas tinham melhor qualidade do que as de hoje.