terça-feira, junho 14, 2005

Ignorância

Vou confessar algo a vocês: gosto de escrever, tenho facilidade de me expressar, mas meu vocabulário é muito limitado. Acho que vocês já perceberam. De vez em quando alguém vem dizer que meu estilo é "leve". Encaro com um elogio, mas evito comentar que eu não conseguiria ser mais erudito do que isso mesmo que tentasse. Até os 20 anos, o máximo de formalidade verbal que eu havia absorvido eram os gibis da Ebal, que usavam em suas traduções palavras como "doravante", "entrementes" e farto emprego de mesóclises. ("O Homem da Máscara está aqui dentro! Matar-nos-á!") Quando finalmente aprendi a gostar de ler, mais da metade dos livros eram em inglês. Tenho um razoável domínio da gramática, mas meu vocabulário deixa a desejar. Na Faculdade de Jornalismo, o professor Marques Leonam era impiedoso com palavras repetidas. E como meu estoque de sinônimos se esgotava rapidamente, lá vinha ele com seu lápis assinalar "já usaste antes" pra lá e "já usaste antes" pra cá de cima a baixo em meus textos.

Vai daí que não só minha redação é "leve" (palavras muito complicadas pesam demais), como às vezes sou tomado de surpresa por palavras e expressões que, aparentemente, só eu não sei o que significam. De uns anos para cá, virou moda nas reuniões falar-se em "questões pontuais". No início eu achava que o "pontuais" se referisse a horário. Em outras palavras, "questões pontuais" seriam questões urgentes, prementes, da hora, para se resolver rapidamente. O dicionário não foge muito dessa interpretação. Só recentemente percebi que "questões pontuais" quer dizer questões específicas, certeiras, focalizadas. Por favor, não me digam que também não é isso. Eu ficaria muito traumatizado se estivesse errado mais uma vez.

Meu amigo Paulo Brody, teatrólogo, redigiu e dirigiu uma peça adaptada do conto "Pai Contra Mãe", de Machado de Assis. Achei um depoimento dele na Internet: "Sua obra não estimula os leitores a se fecharem em uma conchinha solipsista e auto-satisfeita." Nessa o Paulo ganhou não só de mim, mas do meu dicionário: o Michaelis em CD-ROM não registra o vocábulo "solipsista" ou "solipsismo". Fiquei na mesma. Mas já foi pior: aos 19 anos fiz uma prova onde aparecia a palavra "prescindir". O professor ficou tão indignado quando perguntei o que significava que só me olhou de testa franzida.

Nos últimos tempos, só o que se fala é no fisiologismo do PT. Na primeira vez, não me preocupei. Até que a palavra apareceu de novo. E de novo. Hoje, vi na capa da revista gaúcha Press uma declaração do Governador Germano Rigotto sobre o fisiologismo do PMDB. Será alguma novidade? Antigamente os partidos políticos tinham ideologia, doutrina, plataforma, ideário... Agora têm fisiologismo? O Michaelis também não me ajudou nessa. Sei lá, parece termo de Medicina. Algo que o médico me diria mais ou menos assim:

- Seus exames estão OK, mas é bom dar uma controlada no fisiologismo.

E eu responderia:

- Não se preocupe, doutor, tenho ido ao banheiro regularmente.

E eu não sei o que é fisiologismo. Isso é grave! Como poderei votar nas próximas eleições sem poder sequer analisar o fisiologismo dos candidatos? E se algum repórter me pegar para uma enquete na rua e perguntar:

- Em termos de fisiologismo, qual dos partidos é mais forte?

Socorro! Minha cidadania está ameaçada! Corro o risco de fazer mau uso de meus direitos políticos por desconhecer o significado dessa palavra. Podem me criticar, me chamar de ignorante, de desatualizado, dizer que tenho que ler mais sobre política, qualquer coisa (menos uma: não me mandem ler a Veja!), mas me tirem dessa sinuca. Digam-me o que é fisiologismo e façam um eleitor voltar a ter um sono tranqüilo.