segunda-feira, maio 02, 2005

O não disfarçado

Existem muitas maneiras de dizer não. Em geral são poucas as pessoas que dizem essa palavra diretamente, embora seja apenas um monossílabo. Mas que monossílabo mais constrangedor! Não sei o que é mais complicado: dizer ou ouvir. Como as pessoas fogem do não! Preferem usar eufemismos. E um bom termômetro de vivência e perspicácia é saber entender esses nãos disfarçados.

A forma mais comum de não indireto talvez seja a de dizer que "não dá". A expressão contém o não de qualquer forma, mas o "dá" logo a seguir ameniza a frieza da negativa. A maioria capta a mensagem e não toca mais no assunto. Mas outros, ah, outros insistem. "Por que não dá, claro que dá!" Cobram. Reiteram. Você responde que não é possível e eles contra-argumentam que você está enganado, é possível, sim. E até lhe provam isso. Você fica numa péssima situação. E você acaba tendo que dizer com todas as letras: "Não dá porque eu não quero!"

Um método sutil é dizer: "anotamos o seu telefone, qualquer coisa, ligaremos". E tem gente que, santa ingenuidade, ainda fica na expectativa, esperando o telefone tocar. Também na Internet começam a surgir evasivas semelhantes. Você acha o e-mail de alguém – uma pessoa famosa, por exemplo – manda uma mensagem e vem a resposta: "Estou saindo de viagem e devo ficar um tempo fora, na volta entrarei em contato". Pode esperar sentado.

Outra forma de não bastante usual é: "Vai ficar para outra oportunidade". Essa é a recusa padrão de uma proposta ou algo semelhante. O que o interlocutor está querendo dizer é: "não vamos colocar a idéia em prática". Pronto, entende quem quiser. Se alguém ouvir que uma sugestão "vai ficar para outra oportunidade" e ficar aguardando que a oportunidade surja, é porque não caiu a ficha.

Já os políticos têm uma forma toda especial de fugir de uma reivindicação. Na falta de argumentos mais consistentes, eles dizem que "não é hora" de falar no assunto. "Não é hora de falarmos em voto facultativo". "Não é hora de falarmos em reforma agrária". E assim eu imagino que, em algum momento da História do Brasil, alguém deve ter dito que "não é hora" de falar em abolição da escravatura, "não é hora" de falar em Proclamação da República e por aí vai. E a gente lembra do Geraldo Vandré: "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".

Eu gostaria de citar outros casos, mas não dá. Não é hora. Vão ficar para outra oportunidade.