segunda-feira, outubro 25, 2004

Gírias

Certa vez comentei com amigos na Internet sobre as gírias que surgiram depois que eu nasci. Já existiam muitas antes, é claro. "Legal", por exemplo, é mais antiga do que eu. Eu já nasci num mundo legal, filho de um pai legal e de uma mãe legal. Na Faculdade de Direito, sempre que algum professor falava em "remédio legal" eu lembrava do Biotônico Fontoura. Mas outros termos e expressões foram aparecendo aos poucos. E eu me recordo da primeira vez que ouvi a maioria deles.

Aqui no Rio Grande do Sul, temos a mania do "tri". Ouvi pela primeira vez em 1971. Nesse ano, o Internacional foi tri-campeão gaúcho. No ano anterior o Brasil havia sido tri-campeão mundial. Seria essa a origem? Tri, sem complemento, é adjetivo e tem o mesmo significado de legal. "Esse filme é muito tri." Já em combinação com adjetivo ou advérbio, passa a ser advérbio de intensidade, sinônimo de muito: "Fui tri bem na prova." "Essa guria é tri convencida". Nessa função, assemelha-se ao trés do francês. Nessa mesma época surgiu o "jóia", hoje em desuso, de forma que era comum ouvir-se "tri jóia". Mas bom mesmo é quando uma mulher diz: "Estou tri a fim..." Não precisa dizer mais nada!

Foi em minha histórica primeira viagem aos Estados Unidos, em 1974, que ouvi uma palavra que iria mudar minha vida para sempre. Uma colega de excursão havia perdido seus cheques de viagem (traveller's checks) e estava percorrendo o caminho para reaver o dinheiro. Dentro do banco, nervosa, ela se sentou e disse:

- Ai, que saco!

Pronto! Uma nova realidade se descortinou à minha frente! Uma série de coisas que antes me pareciam confusas passaram a fazer sentido! Não entendo como as pessoas podiam ser felizes e se comunicar eficazmente sem poder dizer "que saco" ou "isso é um saco"! Perguntem à minha ex-mulher, que certa vez me disse: "tudo pra ti é um saco!" Esse termo deu significado à minha vida!

A expressão "tudo bem" é paleozóica, mas em 1975 ela ganhou um novo sentido. Ou melhor: vários. Passou a valer o mesmo que "não tem problema", "deixa pra lá", "pois não", "então tá", dependendo do contexto. Lembro de um garçom argentino ou uruguaio que respondia "tudo bem" para qualquer pedido que lhe fizessem. "Pode trazer uma guaraná?" "Tudo bem." Era mais fácil para ele memorizar uma expressão em português que valia praticamente para tudo. "Ainda não consegui fazer o que você pediu." "Tudo bem." "Posso levar uma amiga na festa?" "Tudo bem." "Vou deixar assim mesmo." "Tudo bem." Mas se você perguntar - "Está tudo bem?" – a resposta provavelmente será "tudo jóia", "tudo legal", "beleza". Mas tudo bem. Apenas para registro, no filme "Pra Frente Brasil", de Roberto Farias, um personagem diz "tudo bem" num significado que ainda não se usava em 1970, que é quando se passa a trama.

"Caiu a ficha" é uma expressão interessante. Ouvi pela primeira vez em 1997. Depois descobri que muito antes já existia equivalente em inglês britânico, "the penny dropped". Já o verbo "combinar" como sinônimo de "convir" deve ter sido invenção da radialista Kátia Suman. A frase certa é "vamo combiná", assim mesmo, como se diz. "Vamo combiná que é um saco ir pra praia em dia de chuva." Aí você pensa em responder: "Então vamo combiná outra coisa, quem sabe?"

Depois de uma certa idade eu passei a não incorporar mais gírias a meu vocabulário. Minha quota estava preenchida. Eu vivia bem num mundo em que as coisas ou eram tri-legais, ou eram um saco. Algumas podiam não se enquadrar em nenhuma dessas categorias, mas tudo bem. Hoje ouço meus sobrinhos falando termos que eu até entendo, mas não uso. "Massa", pra mim, é um prato delicioso e calórico. "Da massa" são os temperos, como bolonhesa e alho e óleo. "Show" é uma apresentação musical. "Balada" é música lenta. Se eu resolver "ir pra balada", provavelmente verei gente dançando funk e hip-hop, que não têm nada a ver com o significado original da palavra. Já o verbo "bombar" eu ainda não consegui entender. Tenho pena é dos estrangeiros que ainda tentam aprender português. Conheci dois americanos que eram fluentes no nosso idioma. Imagino um deles aqui no Brasil, ouvindo um jovem dizer:

- As baladas estão bombando!

E ele olha, intrigado:

- O que isso quer dizer? Ballads are bombing? Como assim?

Em inglês existe o verbo "bomb", que quer dizer "fracassar". Já deu pra notar que as etimologias estão bombando. Mas tudo bem.


4 Comments:

Blogger Denise Nunes said...

Muito "legal" Emilio. Como eu disse lá no meu blog, algumas gírias são incorporadas no vocabulário da gente, mas "tudo bem", não vej mal nisto, se forem exceções... O complicado é quando a maioria das palavras de uma pessoa é gíria: aí vira Dialeto rsrsrs

8:54 PM  
Blogger Denise Nunes said...

Gostei muito da tua abordagem sobre as gírias (que memória que tu tens!!). Como eu falei lá no meu blog não vejo problema de incorporarmos algumas gírias ao nosso vocabulário, o problema é quando a pessoa fala muitas gírias em uma mesma frase, porque aí vira um dialeto rsrsrs

8:56 PM  
Anonymous Carolina said...

Me sinto exatamente assim também, já suficientemente lotada de gírias e com idade suficiente para não querer "aprimorar" mais o meu vocabulário. Aparecem algumas, porém, que são tentadoras: "sem noção" que resume tantos e diversos sentimentos é a bola da vez. Às vezes não resisto. "Fato". :)

11:48 PM  
Anonymous Vera Bombardelli said...

Assim como as gírias, a maneira de dançar separado também "entrega" a idade. Convém ficar quieta ou como disse Will Smith, melhor só o básico...

9:35 PM  

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