Documentário sobre "We are the world"
Vai daí que, de uma hora para outra, todos começaram a comentar o documentário "A noite que mudou o pop", disponível na Netflix. E cheios de elogios à produção, inclusive amigos mais exigentes que eu não imaginaria que ficariam tão positivamente impressionados. Também me surpreendi que um evento de 1985 pudesse voltar a ser um assunto tão badalado em pleno 2024. O tema é a gravação da canção "We are the world", do projeto USA for Africa. Fiz uma anotação mental de conferir esse filme e finalmente consegui vê-lo hoje.
Eu devo confessar que não gostei de "We are the world" quando foi lançada. Achei uma música enjoativa, longa demais, com propósito explícito de emocionar ouvintes casuais. Não me passou sinceridade. Esse é o risco das composições por encomenda ou tarefa: aos meus ouvidos, a criação de Lionel Richie e Michael Jackson, cantada por um supertime de artistas americanos no auge da popularidade, soou forçada, como uma peça publicitária. Não me surpreende que tenha sido sucesso, pelo contrário: é bem o tipo de gravação que cai imediatamente no gosto do povo, vendendo como água. Ainda mais da forma maciça com que foi promovida. Mas não me cativou. Preferi mil vezes a obra dos ingleses, "Do they know it's Christmas", também em auxílio à África, apesar da frase infeliz "nesta noite dê graças a Deus que são eles e não você". Fora esse detalhe, o grupo Band Aid disse o que tinha que dizer em menos de quatro minutos (enquanto os americanos ultrapassaram a marca de sete), passou uma emoção legítima e terminou com a frase pungente: "Será que eles sabem que é Natal?"
Justamente por não ter gostado, não me interessei em ver a fita VHS "We are the world: The Video Event", que foi lançada pouco depois. Então não sei dizer quais imagens da época mostradas no documentário atual são inéditas. Mas devo admitir que "A noite que mudou o pop" me agradou bastante. Alternando cenas de arquivo com novos depoimentos de participantes diversos, o documentário conta a história completa dos bastidores da gravação, que foi registrada em áudio e vídeo. A sessão foi marcada para a madrugada seguinte ao American Music Awards, nos estúdios da A&M, em Hollywood, reunindo 45 artistas da nata da música americana.
Hoje circula nas redes sociais um trecho que mostra Bob Dylan em meio aos demais, mas sem cantar, enquanto os outros seguem na interpretação. A explicação está no filme: o produtor Quincy Jones pediu que os que não conseguissem alcançar o tom de Michael Jackson ficassem em silêncio, pois ele queria todos exatamente na mesma oitava. Ao final, Dylan grava um vocal em separado, depois que Stevie Wonder, fazendo uma hilária imitação da voz do autor de "Blowing in the wind", lhe ensina como deverá interpretar. Também é divertido o momento em que Cindy Lauper tem que se livrar de colares e brincos que estão causando interferência em seu microfone.
Depois de tantos anos ouvindo e reouvindo "We are the world" no rádio e na TV, me acostumei com a canção e me peguei cantando junto em diversos momentos do documentário. Conhecendo o esforço que foi necessário para reunir todos aqueles astros, fazer o arranjo de vozes e concluir tudo em uma única madrugada, é impossível não ver o projeto todo de forma mais benevolente. Continuo não me juntando ao coro de "ai que lindo!" dos que a-ma-ram o resultado. Mas pelo menos já consigo admirar a contribuição de cada um, incluindo o já citado produtor Quincy Jones e o engenheiro de som Humberto Gatica, que trabalhou até com Kleiton & Kledir. Recomendo "A noite que mudou o pop". Vejam.
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