Luis Fernando Verissimo na Folha da Manhã
Sim, é verdade que Verissimo começou escrevendo horóscopo. O "jornal de Porto Alegre" a que Juremir se refere (mas, talvez por mágoa, não cita o nome) é a Zero Hora. Quanto à segunda parte do que ele declara, muitos poderiam argumentar que a maioria dos jornalistas e veículos apresentou a mesma alteração de atitude na transição da censura para a liberdade de expressão. Criticar essa mudança seria o mesmo que afirmar: "Aquele sujeito vivia quieto. Depois que lhe tiraram as amarras e a mordaça, não pára de falar e gesticular." Mas, no caso de Verissimo, nem mesmo essa analogia se aplica.
Juremir tem todo o direito de não gostar de Luis Fernando Verissimo. (Vejam bem: eu escrevi "todo o direito", não "toda a razão".) Os motivos para isso são amplamente conhecidos no meio jornalístico. Mas insinuar que Verissimo só passou a escrever textos de cunho político a partir da abertura é demonstrar desconhecimento da trajetória do filho de Erico. Confesso que eu também tinha essa idéia errônea sobre o autor de "O Analista de Bagé". Mas eu estou desculpado, pois não elegi Verissimo a minha "anta".
Antes de voltar para a Zero Hora, Luis Fernando Verissimo teve uma coluna na saudosa Folha da Manhã, da Companhia Caldas Júnior, entre 1970 e 1973. Em 1972, tornou-se redator da Rádio Continental, sugerindo o tom que deveria ter o noticioso "1120 é Notícia". O jornalista Lucio Haeser, ao pesquisar documentos do SNI para seu livro "Continental – a Rádio Rebelde de Roberto Marinho", encontrou o seguinte trecho:
LUIS FERNANDO VERISSIMO, filho do escritor ERICO VERISSIMO, ocupa cargo de PRODUTOR da Rádio CONTINENTAL. Sua linha de conduta, através dos órgãos de comunicação, é de um antagonismo à obra da Rev Mar 64, facilmente identificado. Anexo 5 Xerox (FM-30.JUL.70; FM-08.JUL.70; FM 20 e 21 MAR 73 e ZH/PA 12 AGO 73) que poderão dar uma idéia da linha ideológica do nominado, integrante do quadro de funcionários da RÁDIO CONTINENTAL de PORTO ALEGRE/RS.
Movido pela curiosidade, Lucio pediu que eu pesquisasse os jornais citados no Museu Hipólito da Costa em Porto Alegre, já que ele se encontrava em Brasília. E foi assim que eu descobri essa "face oculta" da obra de Luis Fernando Verissimo. Em pleno regime militar, ele já expunha suas opiniões políticas.
A crônica de 8 de julho de 1970 se intitula "Goida e o mistério" e faz uma brincadeira com o conhecido crítico de cinema, citando de forma irônica o DOPS e o SNI (os textos estão todos ao final deste comentário em forma de imagens digitalizadas). No dia 30 do mesmo mês, volta a falar em Goida e encadeia temas diversos em parágrafos sucessivos. Fala no Pasquim, ironiza o jornal O Globo por criticar as "publicações que nos difamam no exterior" sem que ninguém se preocupe em investigar a veracidade das acusações e encerra mencionando os Tupamaros. Já as colunas de 20 e 21 de março de 1973 abordam o mesmo tema: a histórica suspensão sofrida pelo apresentador de televisão Flávio Cavalcanti. A primeira contém um desenho em quadrinhos como os que Verissimo faz até hoje. A segunda é uma crítica corajosa, como pode ser exemplificado pela seguinte frase: "Nós certamente não sairemos ganhando na troca do gosto duvidoso de um Flávio Cavalcanti pela moral arbitrária da censura, mas ninguém parece se preocupar que o governo também esteja indo 'longe demais' ao legislar sobre o bom gosto, um assunto que não é de competência de nenhuma autoridade do mundo". Quanto à Zero Hora de 12 de agosto do mesmo ano, não se trata de uma crônica – Verissimo ainda estava na Folha da Manhã – mas de um perfil em dados rápidos e rasteiros. O livro que ele estava lendo é que deve ter incomodado o SNI: "Karl Marx on Sociology and Social Philosophy".
Repito que Juremir Machado da Silva tem o direito de não gostar de Luis Fernando Verissimo. Mas poderia se informar melhor sobre sua "anta regional maior" antes de fazer afirmações precipitadas. Aliás, estou pensando em também escolher uma anta de plantão. Pode ser o... Ah, deixa pra lá!
Link para o texto do Juremir:
As antas de cada um
Crônicas de Luis Fernando Verissimo na Folha da Manhã (clique para ampliar):
8 de julho de 1970:
30 de julho de 1970:
20 de março de 1973:
21 de março de 1973:
Zero Hora de 14 de agosto de 1973:
1 Comments:
Belo texto Emílio!
Sou um fã incondicional do LFV desde que li o Analista de Bagé. Lembro-me de ler em voz alta para uns amigos o texto mais palavreado e ficarmos todos a apertar as pernas de tanto rir... bons tempos quando a gente ria com vontade. Ao contrário de você, Emílio, eu um dia fui à redação da ZH por causa de um artigo sobre Astronomia e encontei o LFV a quem pedi um autógrafo no livrinho da LPM "Pega p'ra kaput" que, por acaso andava a ler - pertença de um amigo tão fã como eu. Ganhei o autógrafo, mas fiquei sem ele porque devolvi o livro. Observei apenas como o LFV era tímido demais, ele quase sumiu em baixo da mesa quando eu apareci ao lado dele e lhe pedi que assinasse o livrinho para mim. Mas também tive episódios de absorver a atmosfera ao lado de celebridades sem incomodar a pessoa com conversa chata, ou pedidos bobos de autógrafos. O melhor desses encontros (que nunca esquecerei) foi com o Mário Quintana, na Sulina da Borges. O velhinho já teria mais de 80 anos e estava do meu lado, tranquilamente apreciando a estante de Ficção Científica onde acabou pegando um exemplar da Fundação de Isaac Asimov. Nessa época eu era louco por FC e fiquei babado por denotar esse pequeno interesse do MQ pelo mesmo tema, mas não dei um pio - fiquei inchado e não soube o que dizer, apenas apreciei o momento e deixei fluir a cena. Anotei apenas que as orelhas dele eram maiores que as minhas e que se tratava de alguém muito humilde porque andava pela cidade "numa boa" com uma velha sacola de plástico na mão cheia de livros dentro. ;-)
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