A venda da Caldas Júnior
Talvez as gerações mais jovens não saibam o que a Caldas Júnior já significou no Rio Grande do Sul. O Correio do Povo era uma potência. Saía de terças a domingos e não havia família que não tivesse assinatura do jornal. Aliás, assinatura era um diferencial que o Correio oferecia, já que a Zero Hora, por exemplo, só iniciou essa modalidade de venda em 1984. Ou 1985, não lembro com certeza. Lembro que foi não muito tempo depois que meu pai faleceu e que o Correio havia parado de circular. Mas nós já sabíamos que a ZH iria começar a vender assinaturas antes desses dois acontecimentos. Mas por longos anos, assinatura era privilégio do Correio do Povo. Acho que o Diário de Notícias também tinha, mas era um concorrente menor, em reta final. E lembro de um anúncio da Zero Hora vangloriando-se de ser "o jornal mais vendido nas segundas-feiras". Claro: era o único dia da semana em que o Correio não circulava!
Uma característica do Correio do Povo era sua credibilidade. Nesse aspecto, aliás, houve um episódio que o Correio conseguiu virar a seu favor. Foi quando faleceu o Papa João Paulo I, em 1978. A Zero Hora deu o furo de reportagem. Quando o Correio não confirmou a notícia, houve apreensão. Seria mesmo verdade? A redação da Caldas Júnior recebeu vários telefonemas para saber se o Papa tinha mesmo morrido. Foi um momento em que o jornal foi vencido pelo concorrente, mas teve sua boa reputação reafirmada. Todos os que trabalhavam no Correio nessa época contam essa história com orgulho.
O Correio do Povo podia ser o jornal mais antigo e tradicional da Caldas Júnior, mas não era o único. Tinha também a Folha da Tarde, "o vespertino do estado que já está nas bancas", como dizia o slogan da Rádio Guaíba. Começava a circular ao meio-dia. Depois lançaram a "Folha da Tarde – Final", vendida ao final da tarde. Lembro dos jornaleiros gritando: "Folha finaôôô..." A Folha da Manhã tinha uma linha mais popular, herdada do tempo em que se chamava "Folha da Tarde Esportiva". Depois a Folha da Tarde passou a sair pela manhã, para concorrer diretamente com a Zero Hora, mas mantendo o nome pela tradição.
A Rádio Guaíba também era uma instituição, com seu estilo sóbrio e música ambiental. "Guaíba, Porto Alegre, Brasil", dizia o locutor com seu indefectível "vozeirão" (meu irmão João Carlos Pacheco foi um deles, e bem jovem, ainda adolescente). O sinal da Guaíba era o mais forte na freqüência AM. E tinha a programação esportiva, a "Rede Ipiranga dos Esportes". A audiência de esportes era toda da Guaíba. A Gaúcha conseguiu a supremacia nos anos 80 porque, aproveitando a derrocada da Caldas Júnior, foi levando a prestação o "futebol estilo Guaíba". Em certo momento a rádio Gaúcha chegou a ter Armindo Antônio Ranzolin, Antônio Augusto, Ruy Carlos Ostermann, Lauro Quadros e Lasier Martins em sua equipe de esportes, todos egressos da Guaíba. E, com eles, foram os ouvintes. Já a TV Guaíba foi inaugurada em 1979. Nunca foi uma emissora de ponta, mas sua programação alternativa era interessante. Sempre teve bons programas locais de debates e variedades, além de reprisar séries antigas.
Nos anos 80, a Caldas Júnior foi comprada pelo empresário Renato Ribeiro. O Correio do Povo voltou a circular. A princípio, no formato standard, como nos velhos tempos. Mas os colunistas tradicionais de suas páginas já estavam na concorrência. Depois de algum tempo, Ribeiro resolveu tornar o jornal ainda menor do que a Zero Hora, apostando na leitura rápida. Comercialmente, deu certo. Tanto que a RBS acabou decidindo lançar um jornal pior do que o atual Correio, o Diário Gaúcho, para conquistar o público com preguiça de ler. É uma pena ver o jornalismo impresso do Rio Grande do Sul encolhendo. Mas, com Internet, TV a cabo e tantos outros recursos, é algo que provavelmente aconteceria mais cedo ou mais tarde.
Para quem não tem preguiça de ler, recomendo "Um Século de Poder", de Walter Galvani, contando a história do Correio do Povo. Já o vi por cinco reais em algumas livrarias, mas tanto melhor: esse é o tipo do livro que nenhum balcão de ofertas consegue desvalorizar. Mesmo de graça, é uma obra de referência de importância inestimável (aqui refiro-me ao que comentei em meu texto "Livro ou não livro", sobre a importância intrínseca de certos livros independente da vendagem).
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