domingo, setembro 25, 2005

Há 15 anos, David Bowie no Olympia

Hoje, 25 de setembro, faz 15 anos que vi David Bowie ao vivo pela primeira vez. E por pouco não perdi de estar no Brasil para assistir ao show. Em 1990 ainda não havia Internet, era difícil saber datas de shows com antecedência. Desde março eu tinha agendado uma viagem aos Estados Unidos com minha então esposa. Aliás, tivemos muita sorte. Fomos avisados por uma agente de viagens de que o preço das passagens logo passaria do dólar oficial para o dólar turismo. Corremos para aproveitar preço e, com isso, escapamos do confisco do Plano Collor. E também da limitação de prazo de antecedência para compra de passagens aéreas. A data marcada originalmente era em julho, mas por motivos de trabalho adiamos para setembro.

A menos de uma semana do embarque, fui avisado em uma loja de discos de Porto Alegre que Bowie viria naquele mês. Fiquei apavorado. Alguns acharão que é loucura, mas a primeira providência que tomei foi implorar ao agente de viagens que reprogramasse o nosso itinerário e alterasse o prazo de permanência nos Estados Unidos de três para duas semanas. Perdi dinheiro nessa brincadeira, mas valeu a pena. De Miami, liguei para minha irmã e fui informado de que havia sido programado um show a mais de última hora no Olympia, em São Paulo. Apesar das correrias e de não ter conseguido ninguém em Sampa que fosse comprar os ingressos para mim (hoje que conheço São Paulo, entendo melhor a dificuldade de deslocamento), reservei as passagens por telefone ao voltar para o Brasil. O preço era pouco mais de 180 dólares, algo realmente absurdo, "o ingresso mais caro já vendido no Brasil depois de Frank Sinatra" segundo informou um fã no site Teenage Wildlife. Mas o Olympia é um lugar pequeno, para no máximo 3 mil pessoas. Já na capital paulista, a moça da bilheteria, talvez vendo que tínhamos vindo de tão longe só para ver o show, nos ofereceu lugares melhores, na sétima fila, bem no centro.

Na noite do show, reconheci na platéia Irene Ravache, Gel Fernandes (baterista do Rádio Táxi) e, na primeira fila, Thedy Correa do Nenhum de Nós conversando com Ritchie. Chegou o grande momento. As luzes se apagaram e se ouviu o começo "Ode to Joy", da trilha de "Laranja Mecânica", a mesma música que abrira os shows da fase Ziggy em 1972 ressuscitada para a turnê. Enquanto isso, algumas sombras se moviam no palco. Terminada a gravação, acenderam-se as luzes do palco e Bowie estava lá, em terceira dimensão, cantando minha música preferida: "Life on Mars". A segunda foi "Space Oddity". A seguir, Bowie falou rapidamente com a platéia. Disse "feliz estar aqui" (sic) em português e fez uma breve apresentação em inglês, agradecendo os presentes que lhe tinham sido enviados. Em seguida, anunciou: "Esta é uma música que vocês conhecem em português." E cantou "Starman", cuja versão "Astronauta de Mármore", do Nenhum de Nós, era sucesso recente.

A verdade é que as platéias brasileiras, em 1990, não estavam preparadas para a concepção da excursão "Sound and Vision". Aproveitando que a gravadora americana Rykodisc estava fazendo um belo trabalho de relançamento de seus discos dos anos 70, Bowie decidiu fazer uma "turnê de sucessos" pelo mundo, em muitos casos permitindo que os fãs votassem por telefone nas músicas que queriam ouvir. Na maioria dos países, deu certo, pois os respectivos públicos conheciam bem a obra do cantor e votaram no repertório que estava ensaiado, que eram os clássicos dos anos 70. No Japão houve uma única surpresa: justamente "Starman". Como Bowie sempre teve uma declarada admiração pela terra do sol nascente, a música foi incluída às pressas.

Já no Brasil o melhor de David Bowie estava fora de catálogo havia bastante tempo. Os relançamentos da Rykodisc estavam apenas começando, em grupos de dois ou três álbums cada vez, e alguns estavam saindo no Brasil somente em vinil, já que o CD era ainda visto como um formato novo e incipiente. Para a maioria dos fãs que compareceram à Praça da Apoteose ou no Parque Antártica, David Bowie era o ator do filme "Labirinto" ou o cantor de sucessos dos anos 80 como "Let's Dance", "Modern Love", "China Girl" e "Blue Jean". Todas essas foram cantadas e, nos dois shows citados, foram as únicas que entusiasmaram a platéia. Mas, conforme a votação organizada pela Rádio Transamérica, os fãs queriam ouvir também "As The World Falls Down" (a mais votada), "Underground" (ambas do filme "Labirinto") e "This is Not America". Até hoje há quem pense que Bowie desrespeitou o público brasileiro ao cantar poucas músicas dos anos 80. Na verdade foi um caso típico de desinformação dos fãs. A turnê "Sound and Vision" tinha seu repertório concentrado nos anos 70 e não haveria a menor chance de mudá-lo apenas para contentar um bando de admiradores retardatários.

Esta foi a vantagem do show no Olympia: com os ingressos a preços altos, somente os fãs realmente conhecedores do trabalho de Bowie estavam lá. E gostaram do que ouviram. Em "Ashes to Ashes", o cantor imitou um viciado com síndrome de abstinência e, no final da música, se aproximou da beira do palco usando o suporte do microfone como muleta. Em "Rebel Rebel" vários se levantaram das cadeiras e invadiram os corredores. Lembro de um segurança tentando impedir, mas acabaram deixando. "Pretty Pink Rose" era uma faixa do disco do guitarrista Adrian Belew em que Bowie fazia uma participação. Essa os dois cantaram juntos. Em "Stay", ao começar a segunda parte, Bowie fingiu atirar alguma coisa no ar. Alguém na primeira fila fingiu pegar e o cantor apontou e riu.

A seguir vieram "Blue Jean", "Let's Dance", "Sound and Vision", "Ziggy Stardust", "China Girl", "Station to Station" e "Panic in Detroit". Em "Young Americans", na parte em que deveria cantar "break down and cry", Bowie fez cara de choro e se deitou no chão de tal forma que, de onde eu estava, não consegui avistá-lo. Ficou lá tempo suficiente para provocar a platéia até ser "acordado" pelos acordes iniciais de "Suffragette City". Quando ele cantou "don't lean on me man, 'cause you can't afford a ticket" eu sacudi meu ingresso no ar esperando que ele o visse. Claro que não viu...

Estou acompanhando a lista de músicas pelo site Teenage Wildlife. Se não me engano as duas últimas foram "Fame" e "Heroes" e, no bis, ele cantou "Changes" e "Fashion", depois retornou para "The Jean Genie" e "Modern Love". No segundo bis, pouca gente notou que ele voltou citando uma famosa frase de John Lennon, dizendo que as pessoas mais pobres da platéia batessem palmas e as outras chacoalhassem as jóias. Durante o show ele também falou rapidamente sobre "as coisas que acontecem quando se está na estrada", quais sejam: "Algumas pessoas ganham nenês, outras não ganham nenês, outras se apaixonam por suas esposas, outras se desapaixonam, outras casam, outras se separam, algumas ficam doentes, e em meio a tudo isso nós continuamos aqui, tocando para vocês." Além do já citado guitarrista Adrian Belew, estavam lá também Erdal Kizilcay no baixo e vocal, Rick Foxx no teclado e vocal e Mick Hodges na bateria.

Na saída, comprei algumas camisetas de souvenir. Só uma era realmente bem feita, mas era de um número pequeno para mim: reproduzia em boa qualidade a capa do Aladdin Sane. Outras continham apenas fotos de Bowie. A mais ridícula, e que por isso mesmo me arrependo de não ter comprado, mostrava uma lagartixinha verde com os dizeres: "O Camaleão do Rock"! Uma garota me abordou para divulgar seu fã clube. Deixou-me um cupom para preencher, o qual acabei nunca enviando. A seguir a turnê se encerrou em grande estilo na Argentina. No mês seguinte, Bowie conheceu a modelo, Iman, da Somália, com quem se casaria e teria a filha Alexandria. Ele voltaria ao Brasil em 1997 e dessa vez consegui ir aos três shows. Mesmo sem pagar ingresso a preço extorsivo, vi-o bem de perto no Metropolitan, no Rio. E a platéia estava mais bem informada sobre o seu repertório.

 
Leiam também:

Relíquias de David Bowie 
A exposição de David Bowie (São Paulo, 2014) 
David Bowie no Brasil em 1997

14 Comments:

Blogger blog do casa said...

e qdo ele veio ao parque antartica então
?

6:09 AM  
Anonymous Anônimo said...

e qdo foi o show dele no parque antartica?

6:10 AM  
Blogger Emilio Pacheco said...

Foi nessa mesma vinda ao Brasil. Ele também se apresentou na Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro.

7:58 AM  
Anonymous Tatiana said...

Eu fui no parque Antártica tinha 14 anos!!! Ganhei um par de ingresso na rádio Transamérica, que fazia a promoção do Show, foi muuuito especial!! Que saudades......

7:46 AM  
Anonymous Anônimo said...

Olá Emilio, sou Pacheco também, e depois de velhaca (+50) fui me apaixonar pelo DB. Deveria ter feito isso quando era menina mas só agora me dei conta da seriedade do trabalho do cara. Comecei a ouvir as musicas dele pq meu filho canta The Man who sold world e O astronauta de marmore na banda dele. Gostando de ouvir o filhote cantar fui procurar essas musicas na net e dei de cara com DBowie. Fui pesquisando, lendo e me apaixonando cada vez mais. Descobri onde ele mora. To inquieta para conhece-lo de perto (Bowie,claro), tem alguma ideia a respeito? Luiza.

12:06 PM  
Blogger Emilio Pacheco said...

Ele mora em Nova York, certo? Ir até lá só para conhecê-lo é um investimento de risco, mas para quem realmente quer... Enfim. Se conseguir, parabéns, pois Bowie provavelmente não fará mais grandes shows.

12:22 PM  
Anonymous Anônimo said...

Este comentário foi removido pelo autor.

12:31 AM  
Anonymous Anônimo said...

Esse post é incrível Emílio, obrigado por compartilhar essa experiência!
É uma pena eu ter conhecido o Bowie somente há 10 anos atrás e que ele tenha dado um tempo (ou parado definitivamente) de fazer shows e se dedicar unicamente à família.

E sim, ele atualmente mora em Manhattan, Nova Iorque.

11:53 AM  
Anonymous Cristiano Paulo said...

Muito bom post Emilio, todas essas emoçoes que vc citou eu tb vivenciei....muita saudade do bowie.....Abraço

9:01 PM  
Anonymous Cintia Gray said...

Oi Emílio, é a segunda vez que leio seu post, é tão bom. Queria muito ir num show do Bowie. Quando você foi nesse show, eu tinha 5 anos. Nasci na época errada viu?! Parabéns pelo post!

10:27 AM  
Blogger Rafael Zapater said...

Ótimo texto

7:00 AM  
Blogger Urutau said...

Afinal,o preço dos ingressos no Olympia era 100 ou 200 dólares?

12:22 PM  
Blogger Emilio Pacheco said...

Boa pergunta, vou pesquisar o dólar daquele dia e calcular o valor certo.

1:18 PM  
Blogger Emilio Pacheco said...

Retificada a informação, Urutau. Segundo a Folha de São Paulo, o preço do dólar no dia 25 de setembro de 1990 era Cr$ 82,35 para compra e Cr$ 82,45 para venda. Como cada ingresso custava 15 mil cruzeiros, isso dá pouco mais de 180 dólares por ingresso. Valeu a "cobrança", realmente aquela informação imprecisa não estava nada profissional.

8:11 PM  

Postar um comentário

<< Home