sábado, maio 18, 2024

A salvo da enchente

Por onde começar a descrever o que aconteceu comigo nestes últimos dias? Neste mês das mães que, para o Rio Grande do Sul, virou o mês da enchente? Em primeiro lugar, quero dizer que, em Porto Alegre, nem o meu apartamento, nem o do meu filho, foram atingidos. Mesmo assim, fomos socorridos por anjos da guarda. 

Mas vamos por partes. 

Na noite de 2 de maio, uma quinta-feira, saí com meus amigos Carlos e Mangabeira. Fomos comer um xis no Moita, na Ipiranga. Sabíamos dos alertas de enchente, mas estávamos tranquilos. Nós, como tantos outros, não imaginávamos a dimensão que a situação tomaria. E o garçom que nos atendeu também se mostrou despreocupado, observando que o nível do Arroio Dilúvio (que divide os dois lados da avenida) parecia estável. 

No dia seguinte, sexta-feira, havia previsão de que as águas invadiriam a cidade. Segundo um mapa que me foi enviado, elas viriam justamente até o meu condomínio, na Barbedo. Era o limite. Mas só à noite. Não resisti, fui dar uma olhada na orla, pouco antes das 3 da tarde, para ver a situação. E tirei algumas fotos. Eis uma delas:

Aqui, devo admitir meu desconhecimento de leigo. Ingenuamente, eu pensava que a única forma de as águas adentrarem a cidade seria passando por cima do dique (sobre o qual está a Av. Beira-Rio) e do muro da Mauá. Pela imagem acima, pode-se ver que ainda faltava muito para o nível de transbordamento. Além disso, em setembro do ano passado, houve uma enchente que o muro e o dique conseguiram conter, embora, no caso do primeiro, tenha havido um ponto de vazamento. Achei que eventuais falhas teriam sido sanadas e poderíamos confiar no sistema de contenção. Aliás, essa era a minha crença desde que me mudei para cá em 2013. Que este local estava protegido de eventuais enchentes em razão do dique e da relativa distância da orla. 

Sabendo da situação a que eu estava exposto, minha ex-esposa me convidou para ficar temporariamente no apartamento dela e do meu filho, na Erico Verissimo. Lá é mais longe do Guaíba e, ao menos de acordo com o primeiro mapa, fora da área de risco. Fui para lá no final da tarde. À noite, fui surpreendido por um vídeo que mostrava a Barbedo, a minha rua, totalmente alagada em seu primeiro trecho, a partir da Av. Praia de Belas. As águas vinham dos bueiros e, desde então, avançaram lentamente, conforme as informações que me vinham sendo enviadas por Whatsapp. Enquanto isso, o muro da Mauá falhou por completo, ao contrário do que havia acontecido no ano passado, permitindo a inundação do Centro Histórico. Como sabia que o alagamento não havia chegado até o meu condomínio, dei uma passada lá no sábado e no domingo para buscar algumas coisas.

Na segunda-feira, dia 6, pintou aquele pânico de ter que evacuar o Menino Deus (e também a Cidade Baixa) porque uma casa de bombas junto à rótula das cuias havia sido desligada. Até pensávamos em ficar, pois meu filho não mora no térreo, mas minha ex-esposa recebeu um telefonema que nos fez mudar de ideia. "Sai daí já, não fica aí mais nem um minuto, porque se alagar, vocês vão ficar sem água e sem luz e não vão poder sair pra comprar nada". Quem falou foi a Rosângela, mãe da namorada do irmão do meu filho. Ou seja: alguém sem nenhum vínculo direto comigo, já que o "genrinho", como ela chama, tem outro pai. Mas ela já me conhecia e falou: "Traz o pai do Iuri, também!" E assim ela e o marido, Ruy, vieram nos buscar num carro enorme (não me perguntem a marca) onde entraram três pessoas na frente e cinco atrás! E lá seguimos nós para Alto Teresópolis, ao lado do Morro de Santa Tereza, onde fomos acolhidos na casa da irmã da Rosângela, Mari, onde mora também outra irmã, Nina.

A partir daqui, as palavras ficam pequenas para expressar a gratidão que sempre terei pelas três irmãs e pelo Ruy. Todos tínhamos receio de que como o Iuri reagiria, já que é um menino autista não-verbal, com algumas limitações de compreensão. Imediatamente, o Ruy levou a ele e a mim em uma loja de conveniência para que ele pudesse fazer um lanche. Depois, aos poucos, ele foi se ambientando. Caminhava de um lado para o outro bem feliz, como é o jeito dele. Curtiu bastante a área em frente à casa. Pena que, quando veio a chuva, ele não pôde aproveitar mais. 

Na quinta-feira, dia 9, como o dia estava bonito, vim dar uma olhada no Menino Deus. E também conferir os apartamentos. O do meu filho tinha água e luz. O meu, só água, por enquanto, mas a luz voltaria à noite, como eu seria informado. Impressionou-me o bairro mais vazio do que em feriadão em pleno dia útil. Em razão da evacuação, vários estabelecimentos estavam fechados. A Fruteira do Alemão, na Getúlio, atendia no escuro, mesmo. Quando fui voltar para Alto Teresópolis, constatei que estava totalmente sem comunicação por Internet ou telefone. Percebi que teria que "achar" um táxi na rua, à moda antiga. Por sorte, havia um no ponto da Saldanha Marinho. 

Na terça-feira, dia 14, voltamos para o Menino Deus, trazidos pelo Ruy. Esperamos que seja uma volta definitiva. Gratidão eterna a ele e Rosângela, Mari e Nina pelo cuidado e atenção com que nos acolheram. A Rosângela disse que todo brasileiro tem uma "mãe preta" e que agora ela é a minha. A Mari e a Nina dormiram na sala para nos ceder o quarto. O carinho deles para com o meu filho também foi comovente. Obrigado, obrigado, obrigado...

Mas claro que não posso deixar de agradecer também à Márcia, minha ex-esposa. Foi para a casa dela que eu voltei, a princípio. Na quarta-feira, dia 15, dei uma passada no meu apartamento para religar a luz, levar algumas compras de supermercado (os dois que eu frequento pareciam estar bem abastecidos, com poucos produtos faltando) e tomar banho no meu próprio chuveiro. Mas o retorno ao lar para valer aconteceu na quinta-feira ao final da tarde. Gratidão também aos irmãos de meu filho, Eduardo e Marcela. O Eduardo já está com 19 anos, servindo na Polícia do Exército, mas me chama de "Tio Emílio" desde pequenininho.

Hoje, sábado, dia 18, já não há praticamente alagamento no Menino Deus. Ao menos, nas ruas por onde costumo circular. Isso me motivou a tentar dar uma caminhada até o Shopping Praia de Belas. Eu levo 15 minutos da minha casa até lá. Mas desisti na metade. As águas baixaram, mas o que ficou foi o aspecto de uma "cidade em ruínas", com sujeira no chão, entulhos nas calçadas e um cheiro horrível no ar. Para reforçar o clima de filme-catástrofe, bem na hora surgiram nuvens negras que não resultaram em chuva, mas foram suficientes para tornar o cenário ainda mais tenebroso. Tirei algumas fotos:


E agora? Vou tentar fazer minha parte e escolher um canal confiável para efetuar uma doação. Acredito que, em Porto Alegre, seja possível evitar que o desastre se repita. O muro falhou, mas a enchente mostrou que ele é necessário. Pois que seja sanado. Que se aprenda com os erros. E, se me permitem o clichê, que se apurem as responsabilidades. 

Por fim, muito obrigado também aos brasileiros de outros estados, pela solidariedade com os gaúchos. 

segunda-feira, abril 22, 2024

Augustinho Licks e Carlos Maltz

O evento de ontem no Opinião, em Porto Alegre, conseguiu atrair fãs dos Engenheiros do Hawaii de todo o Brasil. A banda de cover Engenheiros sem CREA, que em momentos diferentes já se apresentara com os ex-integrantes Marcelo Pitz (membro fundador dos EngHaw) e Augustinho Licks (inclusive juntos), desta vez conseguiu reunir Augustinho e Carlos Maltz, dois dos três membros da formação clássica do grupo gaúcho. Só faltou o principal, Humberto Gessinger, Mesmo assim, considerando as brigas e baixarias que rolaram com a saída de Augustinho em 1993, já foi um milagre juntar o guitarrista e o baterista para um show. 

Embora não tenham interagido entre si, Augustinho e Carlos demonstraram um grande entusiasmo, o primeiro sorrindo e gesticulando para a plateia e o segundo atacando com vigor os tambores e pratos. Pareciam felizes em revisitar o antigo repertório. Mas a euforia maior, como não poderia deixar de ser, foi do cover de Humberto, Sandro Trindade, realizando o sonho de tocar e cantar com dois legítimos Engenheiros do Hawaii da formação GLM. Ele, sim, circulava bastante no palco, trocando deixas com seus ídolos. Completava a banda Jeff Gomes na segunda guitarra.

O set list foi previsível, mas nem se quereria de outra forma. Todos os clássicos foram tocados, para delírio do Opinião lotado, com o público cantando junto a plenos pulmões. O show abriu com "Toda a forma de poder", única do LP de estreia, mas foi o primeiro sucesso e fazia parte do repertório clássico da banda. Depois se ouviram, entre outras, "A revolta dos dândis I", "Somos quem podemos ser", "Terra de gigantes", "Nau à deriva" (a minha preferida) e "O Papa é Pop". "Era um garoto que como eu..." foi o encerramento formal do show, mas teve bis e o fim "mesmo" foi com a obrigatória "Infinita highway".
Em certo momento a plateia começou a gritar o nome de Augusto, um carinho que com certeza o deixou emocionado. Minha expectativa era tirar uma foto de todos abraçados ao final, mas não teve a tradicional despedida. Augustinho saiu antes de Carlos, que ainda jogou algumas baquetas para os fãs. A pergunta de todos agora é: haverá novas apresentações? O sonho maior, que seria a volta de Humberto, parece estar descartado, ao menos por ora.
Entre os fãs que vieram de outras partes do Brasil para testemunhar o momento histórico, estava o carioca Luiz Felipe Carneiro, que tem o excelente canal "Alta Fidelidade" no YouTube. Uma curiosidade é que Marcelo Pitz, da primeiríssima formação dos Engenheiros do Hawaii, assistiu ao show da coxia, como vocês podem ver neste vídeo aqui do Instagram.

quinta-feira, abril 11, 2024

Banda

Desde a primeira vez em que vi este desenho do genial chargista Santiago, sonhava em tê-lo num quadro ou pôster. Pois aí está o sonho realizado. Comprei a imagem impressa diretamente dele e mandei emoldurar. Acho que ele, assim como eu, deve ter estranhado nas primeiras vezes em que ouviu a palavra "banda" para designar genericamente grupo musical. Na minha infância, o termo usual era "conjunto". "Banda" era a dos Fuzileiros Navais. Ou a Banda Municipal. Ou a do Altamiro Carrilho. 

sexta-feira, abril 05, 2024

Primeiro livro do colega blogueiro

José E. Rodrigues é três vezes colega: bancário aposentado, blogueiro (o blog dele que ainda está na ativa é "Novas Voltas em Torno do Umbigo") e escritor. Já participou de projetos coletivos e agora lança o seu primeiro livro individual: "Confinado". Como definido na capa, trata se de "um diário da peste em crônicas, contos e poesias". A sessão de autógrafos foi hoje, no Apolinário, em Porto Alegre. 

P.S.: Recebi mais estas fotos e as acrescento aqui.


quarta-feira, março 27, 2024

João Vicenti do Nenhum de Nós

No dia 28 de novembro de 2019, fui ao Theatro São Pedro, em Porto Alegre, assistir ao show de Kleiton & Kledir com Nenhum de Nós. Depois, tirei uma foto com eles. Faleceu ontem o gaiteiro e tecladista João Vicenti. É o que está de chapéu preto, ao meu lado, à direita na foto. Triste perda para a música do Rio Grande do Sul.

quarta-feira, março 06, 2024

Rascunhos

Talvez eu já soubesse e tivesse esquecido, mas os "rascunhos" que ficam guardados na minha conta do Blogger funcionam assim: os que chegaram a ser publicados e foram revertidos para rascunho, se republicados, voltam para a posição original. Rascunhos que nunca chegaram a ser publicados, se o forem, entram como postagens novas, por mais antigos que sejam. 

Republiquei algumas postagens que tinha revertido. Estão lá, no ponto em que as postei originalmente.

Significados

Algumas palavras da língua portuguesa, em sua multiplicidade de significados, parecem trazer mensagens sutis e lições de vida. Por exemplo: esperar. Existe o esperar de espera, que em inglês é "wait". Existe o esperar de expectativa, que em inglês é "expect". E existe também o esperar de esperança, que em inglês é "hope". Mas há situações em que as acepções se confundem. Você pensa que está numa espera válida, mas na verdade é apenas uma expectativa infundada, uma vã esperança. 

Outro caso é o verbo mudar. Existe o mudar de transformar-se, que em inglês é "change", e o mudar de trocar de endereço, que em inglês é "move". Mas, quando passamos para uma nova residência, com certeza queremos que haja também uma transformação em nossa vida. Positiva, claro. Sempre. Uma mudança para melhor.

Por fim, temos o verbo errar. Existe o errar de cometer um erro, que em inglês é "err" (formal, mas é a tradução literal), e existe o errar de andar sem destino, que em inglês pode ser "wander" ou "roam". Às vezes lembro de erros que cometi em minha vida e, desde então, tornei-me um errante. Mas ainda espero mudar isso.

quinta-feira, fevereiro 29, 2024

Documentário sobre "We are the world"

Já há bastante tempo, certo ou errado, passo mais tempo nas redes sociais do que vendo TV ou lendo jornais. Então é por ali que as novidades chegam até mim em primeiro lugar. Depois, trato de buscar mais informações em sites de notícias ou outras fontes, conforme o caso.

Vai daí que, de uma hora para outra, todos começaram a comentar o documentário "A noite que mudou o pop", disponível na Netflix. E cheios de elogios à produção, inclusive amigos mais exigentes que eu não imaginaria que ficariam tão positivamente impressionados. Também me surpreendi que um evento de 1985 pudesse voltar a ser um assunto tão badalado em pleno 2024. O tema é a gravação da canção "We are the world", do projeto USA for Africa. Fiz uma anotação mental de conferir esse filme e finalmente consegui vê-lo hoje. 

Eu devo confessar que não gostei de "We are the world" quando foi lançada. Achei uma música enjoativa, longa demais, com propósito explícito de emocionar ouvintes casuais. Não me passou sinceridade. Esse é o risco das composições por encomenda ou tarefa: aos meus ouvidos, a criação de Lionel Richie e Michael Jackson, cantada por um supertime de artistas americanos no auge da popularidade, soou forçada, como uma peça publicitária. Não me surpreende que tenha sido sucesso, pelo contrário: é bem o tipo de gravação que cai imediatamente no gosto do povo, vendendo como água. Ainda mais da forma maciça com que foi promovida. Mas não me cativou. Preferi mil vezes a obra dos ingleses, "Do they know it's Christmas", também em auxílio à África, apesar da frase infeliz "nesta noite dê graças a Deus que são eles e não você". Fora esse detalhe, o grupo Band Aid disse o que tinha que dizer em menos de quatro minutos (enquanto os americanos ultrapassaram a marca de sete), passou uma emoção legítima e terminou com a frase pungente: "Será que eles sabem que é Natal?"

Justamente por não ter gostado, não me interessei em ver a fita VHS "We are the world: The Video Event", que foi lançada pouco depois. Então não sei dizer quais imagens da época mostradas no documentário atual são inéditas. Mas devo admitir que "A noite que mudou o pop" me agradou bastante. Alternando cenas de arquivo com novos depoimentos de participantes diversos, o documentário conta a história completa dos bastidores da gravação, que foi registrada em áudio e vídeo. A sessão foi marcada para a madrugada seguinte ao American Music Awards, nos estúdios da A&M, em Hollywood, reunindo 45 artistas da nata da música americana.

Hoje circula nas redes sociais um trecho que mostra Bob Dylan em meio aos demais, mas sem cantar, enquanto os outros seguem na interpretação. A explicação está no filme: o produtor Quincy Jones pediu que os que não conseguissem alcançar o tom de Michael Jackson ficassem em silêncio, pois ele queria todos exatamente na mesma oitava. Ao final, Dylan grava um vocal em separado, depois que Stevie Wonder, fazendo uma hilária imitação da voz do autor de "Blowing in the wind", lhe ensina como deverá interpretar. Também é divertido o momento em que Cindy Lauper tem que se livrar de colares e brincos que estão causando interferência em seu microfone. 

Depois de tantos anos ouvindo e reouvindo "We are the world" no rádio e na TV, me acostumei com a canção e me peguei cantando junto em diversos momentos do documentário. Conhecendo o esforço que foi necessário para reunir todos aqueles astros, fazer o arranjo de vozes e concluir tudo em uma única madrugada, é impossível não ver o projeto todo de forma mais benevolente. Continuo não me juntando ao coro de "ai que lindo!" dos que a-ma-ram o resultado. Mas pelo menos já consigo admirar a contribuição de cada um, incluindo o já citado produtor Quincy Jones e o engenheiro de som Humberto Gatica, que trabalhou até com Kleiton & Kledir. Recomendo "A noite que mudou o pop". Vejam.