Palavras verdadeiras, autores falsos
Rosana Hermann escreveu...
...mas foi Herbert Vianna quem recebeu os aplausos.
É impressionante a quantidade de textos que circula pela Internet com autorias incorretamente atribuídas. O campeão dos "plágios involuntários", sem dúvida, é Luis Fernando Verissimo. Ele próprio já disse que não escreveu aquela crônica que compara música sertaneja a drogas, a qual inclusive considerou preconceituosa. Mas nem o desmentido publicado em sua coluna pôde conter a proliferação da autoria indevida. Assim também, sua assinatura já constou no texto "Tipo Assim", de Kledir Ramil. E em vários escritos de cunho humorístico ou, pasmem, poético. Até Mário Quintana já apareceu dando conselhos a casais, como se alguma vez tivesse abordado esse assunto em suas obras.
Ao inverso, a também gaúcha Martha Medeiros costuma ser a vítima: suas crônicas são distribuídas como sendo de outros. Martha tem um estilo lúcido e certeiro de discorrer sobre sentimentos do dia-a-dia, é impossível não gostar do que ela escreve. Muitas vezes tenho a impressão de que ela está dizendo o óbvio. Mas é um óbvio bonito, pertinente e que muitas pessoas não percebem. Para enxergar o simples e relevante em meio a um emaranhado de irrelevâncias é preciso inteligência e visão. Martha tem de sobra. E expõe suas idéias com clareza e objetividade. Idéias que acabam circulando com a assinatura de Miguel Falabella, Mário Quintana, Vinicius de Moraes ou outro nome mais famoso. Paulo Sant'ana, também do Rio Grande do Sul, já teve um texto seu sobre amizade divulgado como se fosse de Vinicius.
Recentemente, começou a se espalhar um comentário intitulado "Vaidade" tendo como autor o cantor Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso. Falava das conseqüências da lipoaspiração do vocalista Marcus Menna, do LS Jack, e fazia uma crítica ao excessivo culto à estética. A verdadeira autora, a jornalista Rosana Hermann, está indignada com o fato, como era de se esperar. O original foi publicado em seu blog (http://queridoleitor.zip.net/), depois copiado, adulterado, atribuído a Herbert e agora se alastra furiosamente pela net. Em um post recente, Rosana questiona algo que eu muitas vezes também quis saber: quem faz este tipo de coisa e por quê? Qual a motivação para colher uma criação alheia e mudar sua autoria antes de divulgar? Garantir que será lida e apreciada? Apenas vandalismo virtual? É difícil entender.
Mas existe uma outra questão. Depois de tantos casos, já não seria hora de as pessoas desconfiarem quando recebem um e-mail assim? Eu, por exemplo, já consigo notar, com mínima margem de erro, quando um texto que me é enviado como sendo de Luís Fernando Verissimo realmente é ou não. Verissimo tem um humor refinado, sutil, criativo. Consegue ser divertidíssimo sem descer de nível nem usar palavrões. Já Mário Quintana tinha a pureza de uma criança. Nenhum dos dois jamais se pôs a dar conselhos de auto-ajuda, nem no amor, nem no modo de viver (talvez Verissimo a seus filhos, na intimidade do lar). No entanto, os internautas recebem essas falsas mensagens e simplesmente as repassam sem o menor critério. Ou pior: acrescentam observações como "só o Quintana para escrever algo assim" ou "sempre o Verissimo".
Lembro de um professor da Faculdade de Jornalismo que já havia ganho prêmios da Associação Riograndense de Imprensa por suas crônicas. Porém, as publicações sempre aconteciam em um pequeno jornal do interior. Na grande imprensa só lhe permitiam fazer a página policial. Assim como ele, devia haver muitos bons cronistas sem chance de divulgar seus trabalhos. A Internet democratizou a informação e abriu espaços também para os que estão fora de algum veículo específico, como jornal ou revista. Até agora, infelizmente, o único "reconhecimento" obtido pelos escribas independentes foi o de ver suas obras divulgadas em nome de outros. E como impedir, se já aconteceu até mesmo com Paulo Sant'ana, Kledir Ramil e Martha Medeiros, todos publicados em jornais e livros? Mas há algumas precauções que podem ser tomadas. Sempre que eu recebo um texto de autoria suspeita, aviso ao remetente sobre minha desconfiança. Se achar que é algo que merece ser distribuído, acrescento o alerta respectivo nos e-mails. E quando tomo conhecimento sobre o verdadeiro autor, transmito imediatamente a informação para quem enviou ou recebeu o plágio terceirizado. É a única forma de defesa nessa terra de todos e de ninguém que é a Internet.
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